InícioEditorialPolítica NacionalPF investiga Exército sob suspeita de uso ilegal de software espião

PF investiga Exército sob suspeita de uso ilegal de software espião

Foto: Divulgação

O comandante do Exército, general Tomás Paiva 26 de outubro de 2023 | 16:30

A Polícia Federal vai investigar o Exército pelo uso e compra de softwares de inteligência custeados com dinheiro do Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, então chefiado pelo general Walter Braga Netto, ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL).

Uma das ferramentas adquiridas foi o FirstMile, que consegue apontar a geolocalização aproximada de aparelhos celulares e é o centro da operação Última Milha, que afastou diretores e prendeu oficiais da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) na sexta-feira (20).

Durante as buscas na operação, a PF apreendeu a base de dados do software na sede da empresa que o comercializa no Brasil, a Cognyte, em Santa Catarina. Além das informações sobre o uso do programa por parte da Abin, a polícia também arrecadou informações sobre a utilização do Exército.

Segundo pessoas que conhecem o caso disseram à reportagem, é preciso averiguar se houve uso irregular da ferramenta pelo Exército, assim como apontam ter havido em relação à agência de inteligência.

A compra do software já estava na mira dos investigadores da operação Perfídia, deflagrada pela PF no Rio de Janeiro e que apura irregularidades em contratos da gestão de Braga Netto na Intervenção Federal realizada em 2018.

Após a ação da PF de Brasília na Abin e na empresa da que vende o FirstMile, o caso também entrou na mira dos inquéritos relatados por Alexandre de Moraes.

A reportagem apurou que a investigação que mira o Exército deve ficar dividida entre as equipes da PF na capital federal (com foco no possível uso irregular da ferramenta) e no Rio (que mira irregularidades na compra com dinheiro da Intervenção Federal).

Em nota, o Exército disse que “quaisquer esclarecimentos solicitados pela Polícia Federal sobre o software em questão serão prestados exclusivamente aquele órgão.”

“Cabe destacar que esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito e profissionalismo do Exército Brasileiro com as demais instituições da República.”

Na última sexta, após a operação da PF na Abin, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que o Exército também havia adquirido o FirstMile.

A diligência na sede da Cognyte, que colocou o Exército na mira da PF, é considerada como fundamental para o andamento das investigações. Segundo pessoas ouvidas pela reportagem, há provas que respaldam a hipótese do uso ilegal da ferramenta.

Eles também afirmam que a busca na Abin, criticada e classificada como exagerada por integrantes da agência, era importante para apreender pastas que tiveram dados apagados por oficiais de inteligência e que a PF acredita que poderia ter informações de pessoas investigadas ilegalmente.

A PF conseguiu recuperar as informações e vê indícios de obstrução no caso. Durante as buscas na sede da Abin, a PF levou os computadores de todos os suspeitos, incluindo as máquinas usadas pelo então número 3 da agência, Paulo Maurício Fortunato.

Sobre o Exército, quando procurado pela reportagem para explicar o uso da ferramenta, o órgão se valeu da Lei de Acesso à Informação para negar explicações sobre por quais motivos adquiriu o FirstMile e para quais fins este e outros softwares têm sido utilizados.

A reportagem questionou a Força por duas vezes. A primeira, ainda na quinta (19), antes de a PF fazer buscas, prender oficiais e afastar servidores da Abin, entre eles Fortunato, então secretário de planejamento de gestão.

A reportagem perguntou quais ferramentas de inteligência a Força recebeu por meio da operação da intervenção federal na segurança pública do Rio, mas não houve resposta.

Na sexta, após a PF expor o uso ilegal de softwares de inteligência durante o governo de Jair Bolsonaro, o Exército foi novamente procurado. Dessa vez, foi questionado especificamente se havia comprado o FirstMile e sobre seu uso.

Embora não tenha dado informações, o Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro confirmou à reportagem que usou o dinheiro reservado à ação na capital fluminense para abastecer a Força Terrestre com equipamentos de inteligência.

“Nesse contexto, viaturas blindadas de uso militar e softwares de inteligência ficaram sob a propriedade das Forças Armadas, mas com a possibilidade de utilização em prol dos órgãos de segurança pública do Rio de Janeiro mediante necessidade e acordo com a União, caso fosse de interesse do Governo do Estado do Rio de Janeiro”, disse em nota.

Um dos representantes da Cognyte é Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro do governo Bolsonaro Santos Cruz. Ele foi alvo de buscas na operação Última Milha e prestou depoimento à PF.

Esse sistema secreto foi usado por servidores da Abin nos três primeiros anos do governo Bolsonaro sem nenhum protocolo oficial ou autorização judicial para monitoramento dos alvos da agência, como revelou o jornal O Globo.

Segundo a investigação, no caso da Abin, os agentes de inteligência usaram a ferramenta para monitorar servidores públicos, políticos, jornalistas, advogados e juízes.

Com o orçamento turbinado, de R$ 1,2 bilhão, o Gabinete da Intervenção pagou quase R$ 40 milhões para a Verint Systems, no Brasil chamada de Cognyte, grupo israelense que tinha a fabricante da FirstMile sob seu domínio. Não se sabe, porém, se o valor foi gasto somente com a aquisição do FirstMile ou se outros sistemas estavam inclusos.

Apesar de a compra ter sido realizada no âmbito da intervenção, o software não foi utilizado somente para o combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. Ele ficou sob a administração do Exército.

Quando analisou o contrato, o Tribunal de Contas da União apontou para o fato de os softwares terem sido adquiridos para beneficiar as Forças de Segurança do Rio de Janeiro, mas estarem sob posse do Exército Brasileiro.

O fato do Rio de Janeiro depender da liberação de uso das Forças Armadas, segundo o relatório do TCU, indica que aquisição pode ser “considerada como desvio de finalidade”.

Julia Chaib/Fabio Serapião/Folhapress

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