A Justiça condenou a Secretaria de Saúde do Distrito Federal a regularizar a oferta de tratamento gratuito com canabidiol (CBD) na capital da República. Apesar da determinação judicial, famílias de pacientes reclamam que o medicamento, derivado da maconha, continua em falta na rede pública.
Arthur Oliveira Reis (foto em destaque), 8 anos, é diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) com nível de suporte 3, ou seja quadro severo. Segundo Marcelo Ribeiro dos Reis, pai do menino, o tratamento com canabidiol foi um divisor de águas na vida da criança. Mas todo avanço está sendo perdido com a falta do medicamento.
“O canabidiol está em falta desde dezembro de 2022. O Arthur sem canabidiol se desestabiliza. Todo ganho que ele teve com o medicamento, junto das terapias, foi jogado no lixo. Meu filho ia no banheiro sozinho. Não se limpava, mas ia sozinho. Hoje ele defeca no chão”, desabafa Marcelo.
Segundo o pai, a falta do medicamento afeta diretamente não só a qualidade de vida do menino, mas a segurança da criança. “Ele corre risco de vida. Não consegue saber o que é perigo. Tive que cortar um pé de manga da minha casa, porque um dia ele estava em cima da árvore. O canabidiol estabiliza o meu filho”, explica.
Além dos pacientes com TEA, o canabidiol apresenta resultados consideráveis em pessoas com epilepsia. No entanto, o medicamento é de alto custo. O frasco chega a custar R$ 2,5 mil.
Em dezembro de 2023, quando o Metrópoles noticiou o drama dos pacientes, a Secretaria de Saúde argumentou que o medicamento estava em fase de compra de emergência. “Falam de compra de emergência. Essa compra de emergência está durando um ano e um mês. As instituições não funcionam. Estão brincando com vidas”, afirmou Marcelo.
Conheça a história de Arthur:
Remédio vital Nycole Andressa Oliveira Buarque de Lima, 21, é diagnosticada com microcefalia, paralisia cerebral, epilepsia e retardo mental. O canabidiol é vital para a jovem, especialmente para conter as graves crise epilépticas.
A mãe de Nycole, Regina Célia Oliveira Cunha, conseguiu acesso ao medicamento apenas com a ajuda da Defensoria Pública do DF (DPDF). No entanto, os pedidos precisam ser refeitos de três em três meses, e família se vê mergulhada em um drama repetitivo.
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Mesmo com decisão do TJDFT, DF segue sem canabidiol. Marcelo enfrenta o drama da falta do medicamento para o tratamento do filho Arthur Breno Esaki / Metrópoles
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Segundo Marcelo, o tratamento canabidiol proporcionou avanços na qualidade de vida de Arthur, diagnosticado com TEA, nível de suporte 3 Breno Esaki / Metrópoles
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No entanto, sem acesso ao medicamento, o menino passou a perder o que conquistou Breno Esaki / Metrópoles
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Para Marcelo, o desabastecimento é reflexo do descaso do DF com a saúde dos pacientes Breno Esaki / Metrópoles
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Dona Regina conseguiu doses do medicamento para a filha Nycole via Defensoria Pública Material cedido ao Metrópoles
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Nycole passou a ser medicada com o CBD após sofrer sucessivas e graves crise de convulsões epilépticas Material cedido ao Metrópoles
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De três em três meses, Regina precisa fazer um novo pedido na Defensoria para garantir o tratamento da filha Material cedido ao Metrópoles
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Segundo Regina, o DF deveria garantir o canabidiol para todos os pacientes Material cedido ao Metrópoles
“Graças a Deus, estou recebendo pela Defensoria, só que a cada três meses tenho que dar entrada na medicação. E a minha filha corre o risco de ficar sem”, comentou Regina.
Para a mãe, a rede pública não quer fornecer o tratamento com o CBD. “O resultado é tão bom. Cada susto que a Nycole tinha era uma crise convulsiva. Hoje dou graças à Deus ao uso do canabidiol”, argumentou.
Além do apoio da Defensoria, Nycole também é assistida pelo Instituto Sol Nascente desde os 10 anos de vida. A entidade acompanha famílias de crianças com deficiência e doenças crônicas.
Veja a entrevista com a mãe de Nycole:
Desobediência judicial Em 10 de agosto de 2023, o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) condenou a Saúde do DF a regularizar o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de ação civil pública movida pela 4ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus).
No entanto, em vez de resolver o problema da falta do medicamento, a pasta recorreu. O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) apresentou manifestação solicitando a manutenção da sentença.
“Estudos mais recentes comprovam que o uso recorrente do canabidiol gera uma menor ocorrência de convulsões aos usuários epiléticos e, portanto, uma melhor qualidade de vida. É de suma importância que o Distrito Federal, que sempre esteve na vanguarda no que diz respeito ao fornecimento do canabidiol através do SUS, busque alternativas eficientes para o seu abastecimento nas Farmácias de Alto Custo, dando cumprimento ao comando judicial que assim o determinou”, afirmou o promotor de Justiça Marcelo Barenco.
Outro lado O Metrópoles entrou, novamente, em contato com o GDF e a Secretaria de Saúde. Por nota, a pasta afirmou que o processo licitatório emergencial para a aquisição do fármaco está em andamento, até que o processo regular seja finalizado.
Leia a nota completa:
A Secretaria de Saúde (SES-DF) informa que a aquisição do produto à base de canabidiol para atendimento à população do Distrito Federal possui protocolo de atendimento aprovado para os pacientes portadores de epilepsia refratária. E que, para o recebimento do produto, o paciente deve estar enquadrado nos critérios terapêuticos de inclusão estabelecidos pelo Protocolo Clínico da SES-DF para o atendimento ao paciente com epilepsia e a Nota Técnica 3, de 2022.
Atualmente, existem 32 pacientes com cadastros ativos no Componente Especializado para o recebimento do produto à base de canabidiol no Distrito Federal, não havendo nenhuma nova solicitação de pacientes para cadastro no momento.
Entre as apresentações encontradas nos mercados nacional e internacional, a SES-DF dispõe de dois produtos: solução oral 50 mg/ml frasco 30 ml com seringa dosadora e solução oral 200 mg/ml frasco 30 ml com seringa dosadora. Em relação ao estoque na rede, já se encontra em andamento o processo licitatório emergencial até que o processo regular seja finalizado.
Acerca da manutenção do recurso na Justiça contra a condenação, a pasta esclarece que não possui qualquer ingerência nas decisões tomadas pela Procuradoria-geral do Distrito Federal, a quem compete a análise de viabilidade recursal nos processos em que representa o GDF.