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A guerra das crianças entre o Hamas e Israel

Estou em Israel. Vim para ver de perto o resultado das atrocidades cometidas pelo Hamas em 7 de outubro do ano passado e também para reportar como Israel enfrenta os terroristas que executaram, torturaram, queimaram ou estupraram 1.200 dos seus cidadãos, além de sequestrar mais de duas centenas de israelenses, entre os quais mulheres, crianças, adolescentes e velhos.

No dia seguinte à minha chegada a Israel, o Hamas lançou dez foguetes contra Tel Aviv. Eu não estava na cidade, mas, se estivesse, teria de correr para um dos abrigos antiaéreos que fazem parte da paisagem israelense. Nos hotéis, aliás, os hóspedes recém-chegados são gentilmente orientados a não demorar mais do que dez minutos para chegar ao abrigo do prédio, em caso de alerta de bombardeio. Em cidades mais próximas de Gaza ou da fronteira com o Líbano, ao norte da cidade, esse tempo é bem menor.

Durante a madrugada, horas depois do lançamento dos foguetes contra Tel Aviv, agentes de uma unidade especial do exército de Israel entraram em um hospital em Jenin, na Cisjordânia, disfarçados de médicos, e mataram três terroristas que se escondiam lá. O vídeo da ação logo circulou na internet.

O Hamas disparou os foguetes para reafirmar que continua com poder de fogo. Desde outubro, estima-se que Israel tenha matado, no máximo, 30% do efetivo do grupo. Como os terroristas continuam a usar a rede de túneis que escavou em Gaza, o exército israelense vai tentar destruí-la de uma vez bombeando água do mar para dentro dela. O trabalho já começou.

Os líderes do Hamas querem o cessar-fogo total em Gaza. Para Israel, isso significaria abrir mão do seu objetivo declarado de acabar com o inimigo que executou os seus cidadãos e que prega a aniquilação dos judeus no Oriente Médio. Há poucos dias, Estados Unidos, Catar e Egito, entre outros países, chegaram a um denominador comum com Israel em busca de um acordo de paz provisória. Será apresentado ao Hamas uma proposta de cessar-fogo de seis meses, em troca da liberação de uma nova leva de reféns israelenses. Até o momento, ainda há 136 sequestrados.

Israel obteve na semana passada uma primeira vitória no Tribunal Penal Internacional, em Haia, onde enfrenta uma processo espúrio por genocídio em Gaza, instaurado por iniciativa da África do Sul, em conluio com o Hamas e outros países simpáticos ao grupo terrorista, inclusive o Brasil de Lula. 

Os juízes não acataram a demanda sul-africana de um cessar-fogo imediato em Gaza. Reconheceram o direito de Israel de se defender dos seus inimigos. Ao mesmo tempo, decidiram que autoridades do governo israelense devem se abster de fazer declarações que possam ser interpretadas como genocidas. Parte da imprensa e os governos antissemitas relegaram ao segundo plano o dado principal — se Israel fosse mesmo genocida, o tribunal teria decidido pelo cessar-fogo — e fizeram barulho com o aspecto acessório. Tempos difíceis.

Outra vitória robusta foi no campo da ONU antissemita. Doze supostos funcionários da agência que teoricamente auxilia refugiafos palestinos foram afastados porque eram terroristas do Hamas assalariados, como Israel vinha apontando. Os Estados Unidos e suspenderam o financiamento desse antro e uma investigação interna foi aberta.

Visitei o kibutz Kfar Aza, a dois quilômetros de Gaza, um dos mais atingidos pelo ataque selvagem do Hamas. Apesar de imagens do massacre ocorrido ali terem circulado abundantemente, a visita ao local é uma experiência chocante. É como se os mortos ainda vagassem desnorteados pelas suas alamedas. 

Quando fazem 18 anos, rapazes e moças dos kibutzim (plural de kibutz) passam a viver sozinhos, em pequenas casas que lhes são destinadas pela comunidade que ficam concentradas em determinada área. É um rito de passagem para a vida adulta. Lá, eles têm mais independência e iniciam os seus próprios núcleos familiares.

Nessa parte do Kfar Aza, o cenário é de completa destruição. As casas foram queimadas, metralhadas e evisceradas pelas armas pesadas dos invasores do Hamas. Eles mataram todos os jovens do kibutz hoje inabitado. Não sobrou nenhum para contar a história já sabida. O rito de passagem foi da vida pela frente para a morte cruel pelas mãos do Hamas.

Os sinais no kibutz vazio são de um dia normalíssimo interrompido subitamente pela barbárie, paralisado em um grito que não sairá da garganta, congelado no tempo. O silêncio é quebrado de vez em quando pelo barulho do bombardeio e da artilharia do exército israelense em Gaza. Ouve-se também o zunido de drones que voam acima das nuvens de um país estranhamente chuvoso para os padrões climáticos habituais.

Depois da visita ao kibutz, fui à base de Nahal Oz, onde moças de 18 a 20 anos, em serviço militar obrigatório, monitoravam, por meio das câmeras de segurança, a fronteira cercada de Gaza. Uma delas nos conta como as colegas em serviço tentaram sobreviver ao ataque dos terroristas que invadiram a base. 

Eles parecem ter brotado da terra, já estavam praticamente dentro de Israel quando foram vistos nos monitores dos quais não sobrou quase nada, todos queimados. As moças refugiaram-se em um anexo da sala principal, mas foram sufocadas pela fumaça das bombas. Seis delas conseguiram escapar por uma janela estreita. Vinte e quatro morreram.

As outras moças, todas recém-saídas da adolescência, correram de pijama (eram 6h30 da manhã) para o abrigo antiaéreo da base. Pensaram que era apenas mais um ataque de foguetes. Foram surpreendidas pelos seus executores. Sete foram levadas para o inferno que as esperava no enclave palestino, do outro lado do muro. Uma morreu em Gaza e outra foi libertada. Cinco permanecem com os sequestradores.

No total, 70 militares israelenses morreram em Nahal Oz. Muitos tiveram um tempo exíguo para lutar, as marcas das suas balas cravejando as paredes, antes de serem abatidos pelos terroristas. 

Como foi possível que uma base militar fosse invadida desse jeito? É que as moças encarregadas de vigiar Gaza não foram levadas a sério pelos seus comandantes. Elas vinham avisando fazia tempo que havia uma movimentação estranha junto ao muro, mas sempre ouviam que era normal. Não era.

Na sede da Brigada de Gaza, também houve invasão. Os terroristas mataram o comandante e chegaram a pendurar uma bandeira do Hamas no edifício central. Já não há marcas do ataque. Lá, pude entrar na war room encarregada das ações militares em parte do enclave.

Moças semelhantes às mortas em Nahal Oz estão à frente de monitores como os destruídos em Nahal Oz. Grandes telas suspensas no teto mostram imagens aéreas do enclave. Uma delas tem áreas em vermelho, as ocupadas pelo Hamas, e em azul, as já controladas pelo exército de Israel. No norte de Gaza, predomina o azul, mas ainda há muitos pontos em vermelho, ao contrário da imagem que colore o sul da Faixa.

Na verdade, a war room são quatro salas: a das moças nos monitores, a de inteligência, a de logística e a de comunicação direta com as tropas no terreno e com os comandantes. Só pude visitar a primeira.

Com a guerra em andamento — a operação em Gaza se chama Espadas de Ferro —, as militares encarregadas de vigiar o inimigo por meio dos monitores agora são ouvidas. Ao avistar qualquer movimento suspeito, elas avisam os comandantes, que ordenam o que será feito, com apoio da inteligência e da logística. As tropas no terreno também podem pedir reforços ou ataques aéreos nas áreas ilustradas em vermelho, assim como a inteligência.

Foi quando eu estava na Brigada de Gaza que o Hamas disparou os dez foguetes contra Tel Aviv. Os rastros brancos dos projéteis toscos foram avistados contra o céu azul. Todos foram abatidos pelo mísseis do Iron Dome, o complexo de radares e disparadores que protegem Israel também dos foguetes do Hezbollah, lançados a partir do Líbano. 

Os foguetes do Hamas, muitos deles feitos com o encanamento de água que os israelenses deixaram em Gaza, prova de que os terroristas não se importam nem um pouco com a população civil do enclave, são toscos e têm trajetória irregular. Medem de três a quatro metros de comprimento e são muito finos. O seu custo é ridiculamente baixo se comparado ao de um míssil de interceptação israelense, que sai por 250 mil dólares.

Pude observar uma bateria do Iron Dome localizada muito perto de Gaza. Cada lançador tem 16 mísseis. Eles não são disparados automaticamente, mas por militares munidos do cruzamento das informações fornecidas por satélites. 

Na maioria das vezes, dá tempo de emitir um alerta à população e os foguetes do Hamas são interceptados. Os mísseis de Israel explodem ao lado dos foguetes baratos do inimigo, e estilhaços de ambos podem atingir pessoas e construções, mas com danos menores.

Se todo exército é naturalmente composto por soldados jovens, no de Israel essa juventude parece ter uma média de idade mais precoce. Foi o aspecto que mais me marcou. Os antissemitas usam como pretexto para destilar o seu ódio por Israel as crianças e os jovens praticamente crianças mortos em Gaza. Fingem esquecer que, deste lado do muro, também há crianças e jovens praticamente crianças que morrem ou que sofrem as consequências de uma guerra herdada aparentemente para sempre.

Enquanto a mocinha de Nahal Oz relatava a atrocidade que vitimou dezenas de colegas seus na base militar, constatei mais uma vez que o que diferencia eticamente o Hamas de Israel não são os números de vítimas de cada lado. 

O que diferencia Hamas de Israel é que os terroristas escolheram executar crianças e jovens praticamente crianças. Israel não escolheu bombardear crianças e jovens praticamente crianças usados como escudos humanos. Inexiste outra opção diante do horror perpetrado pelo Hamas no seu território.

“Perdoo os árabe por matarem as nossas crianças, mas nunca os perdoarei por nos fazer matar as deles”, disse a então a primeira-ministra Golda Meir há décadas. O eco dessa frase famosa saiu da boca do voluntário Oded Lugassy. Ele foi um dos primeiros a acorrer à cidade de Sderot, em 7 de outubro do ano passado. 

Oded Lugassy enfrentou o pesadelo de carregar para caminhões dezenas de corpos de israelenses trucidados pelo Hamas. Ele descreve as cenas que presenciou como se as estivesse vivendo. Como se tentasse se convencer de que elas realmente aconteceram.

Perguntei-lhe como via os palestinos depois de tudo. Ele mirou o vazio, pensou um pouco e respondeu: “Eu me esforço para não odiá-los, porque o dia em que eu gostar que Israel mate as crianças palestinas será o dia em que o Hamas terá vencido.” 

PS: Viajei a Israel a convite de uma integrante da comunidade judaica brasileira, Alessandra Safra, que está empenhada em combater o antissemitismo que grassa no nosso triste país.

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