Quem acompanha o Big Brother Brasil há alguns anos já conhece a dinâmica. Para além de um elenco diverso, provas que testam os participantes ao máximo e muita rivalidade para ganhar o prêmio milionário, as últimas edições do reality global também foram marcadas pela reverberação de pautas sociais — assim como pelo esvaziamento delas.
Este último termo se refere ao momento em que debates sociais importantes são utilizados com o intuito de autopromoção ou como uma distração frente a questões genuinamente cruciais.
Na edição deste ano, que chega ao fim nesta terça-feira (16/4), a campanha rumo à vitória de Davi Brito, por exemplo, começou a ganhar força a partir do isolamento do brother, provocado, em parte, por discursos racistas de outros participantes, o que é legítimo.
O mesmo não aconteceu com Alane, que no ímpeto de acusar Juninho de assédio, por causa de uma cantada desajeitada, foi tachada de irresponsável pelos telespectadores e acusada de ter “esvaziado” uma pauta importante para as mulheres. Embora a sister tenha chegado à reta final, a atitude cravou sua derrota cedo demais, ainda nas primeiras semanas de programa.
Diante da relevância que o tema tem para o reality show e de como a audiência interpreta a inserção desses temas em um produto de entretenimento, questionamentos sobre a pertinência desse movimento têm sido cada vez mais comuns: afinal, BBB é lugar de debater da racismo, LGBTfobia e gordofobia ? Apesar das ressalvas, a resposta, na visão de especialistas, é positiva.
“Eu acho que no Brasil que a gente vive, todo e qualquer lugar precisa ser um lugar para debater questões raciais, falar sobre racismo, falar sobre machismo, falar sobre LGBTfobia, porque pessoas morrem diariamente por conta disso, dessas violências e um reality show, querendo ou não, tem um alcance grande, é um recorte da realidade”, opina a jornalista Bruna Rocha, idealizadora e CEO da Semiótica Antirracista.
Yasmin Brunet
Yasmin Brunet Reprodução
Davi BBB24
Davi no BBBB24 TV Globo/Reprodução
Alane
Alane do BBB24 Foto: Instagram/Reprodução
Bruna explica que toda discussão que ocorre de forma rápida e sem aprofundamento convive com o risco de esvaziamento. “São movimentos que eles coexistem, porque o mercado se apropria, porque as pessoas se apropriam muitas vezes sem conseguir fazer uma formação mais profunda. No entanto, a gente não pode inviabilizar o debate por conta do esvaziamento, o esvaziamento sempre vai existir. Toda vez que um debate tiver na esfera pública, emergir na esfera pública, ele vai ser esvaziado de diversas formas”, destaca.
A historiadora Lívia Teodoro reforça a responsabilidade dos participantes e do público ao abordar essas pautas”. “Embora o BBB24 possa servir como uma lupa social, expondo questões relevantes da sociedade, é necessário estar atento para não permitir que esses assuntos sejam cooptados para objetivos individuais. A utilização inadequada dessas temáticas pode não apenas desvirtuar sua importância, mas também minar os esforços por mudanças reais e significativas na sociedade.
Autoritarismo de fala Para o doutor em comunciação, Chris Gonzatti, do Diversidade Nerd, não há como negar que as representações e tramas mobilizadas pelo programa nos permitem refletir e, através dessa reflexão, aprender sobre racismo, machismo, LGBTfobia.
“No entanto, a grande problemática recai no lugar dessas discussões. Em um ensaio crítico, que dialogue com um referencial complexo e embasado sobre esse tema, podemos aprender sobre essas questões com maior seriedade. Já nos sites de redes sociais tenho observado um uso de conceitos de maneira muito equivocada”, salienta o especialista.
Para o pesquisador, a forma como a audiência do reality show invalida opiniões e posicionamentos na web precisa ser revista, para evitar o esvaziamento de pautas e de fato poder aprofundar as discussões geradas pela convivência no BBB.
Um exemplo seria a interpretação de “lugar de fala” que, segundo Chris, se transformou em “autoritarismo de fala” na dinâmica das redes. “É muito diferente da proposta de feministas negras e teóricas feministas, que não propõem uma desautorização do Outro de comentar algo a partir da evocação do lugar de fala, mas que esse Outro, assim como o sujeito que fala, assuma que ele fala a partir da sua subjetividade, realidade material, cultura. Esse conceito é apenas um exemplo de tópico que foi esvaziado na dinâmica das redes e se transformou em uma ideia de que só determinadas pessoas podem falar sobre esses temas”, diz.
“Essa lógica de usar gênero, sexualidade e raça como forma de desautorizar o Outro, distorcendo conceitos e esvaziando pautas é fruto da dinâmica de convseração dos sites de redes sociais na contemporaneidade. Vimos muitas pessoas que não estudam de fato esses assuntos começarem a utilizar a internet para ganhar visibilidade e monetizar essas discussões. Para que isso funcione, muitas dessas pessoas precisam criar controvérsias oportunas. Sem isso, não há propagabilidade”, analisa.
Nesse sentido, o BBB se tornou um importante objeto para se criar essas controvérsias e discussões mais rasas na maior parte das vezes. “Por isso, eu diria que importa muito mais ter a construção de um pensamento crítico capaz de filtrar aquilo que realmente reflete e promove discussões importantes a partir da mídia, no caso o BBB, daquilo que é raso, performático e orientado pelo imperativo da visibilidade algorítmica”, finaliza Chris.