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A promessa não cumprida dos protestos de 2019 no Chile

Há cinco anos, milhares de chilenos saíram às ruas para exigir uma sociedade melhor, sob a promessa de mudança. Dois fracassados processos constituintes depois, o que ficou foi a sensação de que tudo segue igual.Para os moradores de Santiago do Chile, outubro de 2019 começou com a notícia de que o bilhete do metrô sofreria um aumento de cerca de 4%. Apesar de ínfima, a alta desencadeou uma reação furiosa, talvez instigada pelo então ministro da Economia, Juan Andrés Fontaine, que recomendou à população acordar mais cedo, pois antes das 7h da manhã o metrô de Santiago era mais barato.

A notícia do aumento e a declaração de Fontaine, considerada por muitos uma forma de zombar da classe trabalhadora, são dois elementos determinantes para entender o que eclodiu no Chile em 18 de outubro de 2019, considerada a crise mais grave desde que o Chile retornou à democracia, em 1990.

Estudantes do ensino médio e universitário saíram às ruas para protestar contra a alta da passagem de metrô, e outros cidadãos se juntaram à demonstração de descontentamento. Houve confrontos com a polícia, focos de distúrbios e saques.

Era o começo do chamado “estallido social” (explosão social) – série de manifestações e distúrbios iniciados em Santiago e que se espalharam pelo país, com maior intensidade, entre outubro de 2019 e março de 2020.

“Foi um movimento que reuniu várias queixas contra os governantes da época, no que diz respeito à economia e a uma cultura democrática em que as pessoas não só não eram ouvidas, mas também tinham sua vida cotidiana violada”, afirma Jorge Saavedra, professor da Faculdade de Comunicação e Letras da Universidade Diego Portales, em Santiago, e doutor em comunicação pela Universidade de Londres.

“É importante lembrar que um dos conceitos-chave da mobilização foi a dignidade. As pessoas estavam fartas de se sentirem violadas”, aponta.

“Bastava ter uma dor e um vilão”

Para Cristóbal Bellolio, cientista político e professor da Universidade Adolfo Ibáñez, na capital chilena, o estallido foi um “momento populista”.

“Houve uma contestação plebeia das instituições comandadas pelo mundo dos partidos políticos e dos empresários – elites culpadas, de alguma forma, por sequestrar o progresso dos chilenos”, diz. “O estallido também tem a ver com a constituição de um povo a partir da aliança de diferentes grupos que foram oprimidos ou marginalizados.”

Bellolio se refere à ampla gama de demandas que encontraram espaço nas manifestações. Os protestos reuniram opositores dos pedágios em rodovias, defensores das reivindicações do povo indígena mapuche, pessoas que pediam a renúncia do então presidente Sebastián Piñera, grupos que exigiam moradias, entre outros.

“Bastava ter uma dor e um vilão para participar desse momento de reparação”, comenta o especialista, que define o estallido como uma conjunção de “demandas por igualdade democrática”.

“A construção e a vulneração da dignidade não têm apenas a ver com um salário. Têm a ver com uma existência cotidiana e uma relação com o poder nas quais as pessoas percebem que estão sendo abandonadas – algo que podem tolerar –, mas o abuso é uma questão sensível”, analisa Saavedra.

“O modelo chileno abandonou as pessoas à própria sorte, mas, ao mesmo tempo, prevaleceu o discurso do esforço pessoal. Assim, as pessoas sentem certo orgulho de trabalhar de sol a sol e pagar por tudo. Mas o que despertou a raiva foi a percepção de serem abusadas por tarifas excessivas de serviços básicos, por créditos extorsivos para estudar, por ministros que zombavam da pobreza”, diz.

Juventude desmobilizada

Cinco anos depois, onde estão os jovens que foram a força motriz por trás da mobilização de 2019? “Hoje não vejo uma mobilização das juventudes em nenhum aspecto, exceto naqueles ligados a assistir a shows ou a questões de gênero. As causas que costumavam mobilizar os estudantes hoje não os mobilizam”, diz Saavedra.

O professor acredita que as novas gerações universitárias, talvez por terem gratuidade na educação (em sua maioria), um transporte cujo preço se manteve majoritariamente congelado, além de um sistema de alimentação, estejam bastante confortáveis com a situação atual.

“Acho que hoje a frustração tem a ver com o fato de que pediram ao Chile que desse um passo atrás, que suportasse tempos violentos e turbulentos, na esperança de que depois avançasse dois passos. O problema é que veio a pandemia, e não avançamos. Há uma desesperança acumulada, porque para todos o estallido significou sacrificar algo por um futuro que, no final, não veio”, aponta Bellolio, mencionando a fracassada experiência dos dois processos constituintes com os quais se tentou conter a agitação.

O cientista político, no entanto, acredita que a saída constitucional tenha sido a leitura certa para o momento político pelo qual o Chile estava passando, “porque catalisou a energia destrutiva em uma energia construtiva”.

Em dezembro de 2023, os chilenos rejeitaram, em referendo, a segunda proposta de uma nova Constituição e decidiram manter a atual, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Em setembro de 2022, a primeira proposta, escrita por uma convenção de maioria esquerdista e que propunha uma transformação radical das instituições chilenas, havia sofrido uma rejeição retumbante.

“Substancialmente, nada mudou”

Hoje, o epicentro das manifestações de 2019 está ganhando outra cara. A Plaza Italia, em Santigo, chamada com entusiasmo na época dos protestos de “Plaza Dignidad”, voltou a ter grama e flores. As lojas ao redor estão lentamente retomando suas atividades, e as autoridades tentam apagar os traços de outubro de 2019.

“Estamos em um estágio em que é possível olhar para o que aconteceu com perspectiva e podemos dizer que, substancialmente, nada mudou. Mas sabemos que a promessa de que ‘tudo vai mudar’ abraçada por setores pró-mobilização não é possível, assim como a promessa da direita de que ‘vamos ser muito propensos a mudanças’ não é crível”, diz Saavedra.

Para o professor, se o país não avançar em questões fundamentais, incluindo algumas das demandas do estallido de cinco anos atrás, não se pode descartar que “a raiva volte às ruas”.

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