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A Lei de Falências faliu?

Às vésperas de completar 20 anos, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência (n° 11.101/2005) foi colocada em xeque após uma série de suspeitas, denúncias e investigações do compadrio de magistrados, administradores judiciais nomeados por juízes e peritos com empresas em bancarrota e escritórios de advocacia especializados em processos de recuperação judicial, extrajudicial e a falência. A revisão da lei está em marcha no Senado, que deve tocar o tema em 2025. A onda de operações da Polícia Federal para investigar casos de vendas de sentenças em outras esferas do Judiciário – como a ação que culminou com o afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, no dia 24 – tem potencial para acelerar os trabalhos no Congresso.

No caso das recuperações judiciais e falências, a investigação mais robusta foi conduzida no ano passado pelo Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por julgar desvios de conduta de magistrados no país, envolvendo Varas de Falência e Recuperação Judicial por onde tramitam casos estimados em R$ 90 bilhões. Dois juízes foram punidos pelo CNJ na ocasião.

O caso foi a ponta mais vistosa de um iceberg que o CNJ tem escrutinado desde 2012, quando abriu investigação contra uma juíza da 5ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que substituiu o liquidante judicial da massa falida da corretora de valores Open S/A pelo marido de uma magistrada da mesma comarca.

As suspeitas de relações de compadrio entre juízes, administradores que recebem 5% da dívida das empresas e escritórios de advocacia voltaram aos holofotes com a participação em eventos patrocinados. Encontros deste tipo se espalham por todas as regiões do país, com partes interessadas e juízes, peritos e administradores participando de encontros – até mesmo ministrando cursos chancelados pela Ordem de Advogados do Brasil (OAB) – ao lado de advogados atuantes em casos reais de recuperação judicial e falências empresariais. Nesta quinta (24) e sexta-feira (25), por exemplo, ocorreu na capital Paulista o XVI Congresso TMA Brasil de Reestruturação e Recuperação de Empresas. O evento no hotel Grand Hyatt, um dos mais luxuosos da cidade, reuniu dez juízes e desembargadores entre os palestrantes.

Revisão no Congresso

A sucessão de suspeitas foi pano de fundo para o Ministério da Fazenda elaborar o projeto de lei 3/2024, no qual propõe mudanças na Lei de Falências para reduzir em 50% o tempo médio de cinco anos dos processos. O projeto foi aprovado na Câmara em abril e aguarda designação de comissão e relator no Senado. A tendência é de o projeto tramitar na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

O principal ponto de mudança sugerida pela proposta do Poder Executivo é a criação da figura de um gestor fiduciário para administrar a massa falida, a partir de acordo entre os credores. A alteração toca no ponto mais contestado e gerador de casos de suspeita de conluio: o poder do juiz para indicar um administrador judicial.

A sugestão da Fazenda para reduzir o poder de juízes para indicar administradores foi mantida pela Câmara, em abril, ao aprovar parecer com mudanças apresentado pela deputada Dani Cunha (União-RJ). O advogado Leonardo Dias, sócio do escritório Marcos Martins Advogados, pondera que a figura do gestor fiduciário pode empoderar grupos de credores com maior peso no volume total de dívida. “Existe uma crítica geral de que o trabalho dos administradores judiciais é muito bem remunerado em alguns processos de insolvência e, portanto, isso seria um prejuízo para o conjunto de credores”, contextualiza.

Segundo ele, a premissa “não é muito verdadeira” e se baseia em grandes casos de recuperação judicial ou de falência de maior complexidade, não sendo realidade na maioria dos processos no Brasil. Ele defende a manutenção da figura jurídica do administrador. “Um administrador judicial é uma figura imparcial no processo, ele não representa nem devedor nem credores. A partir do momento que ele for eleito pelos credores, isso gera um conflito de interesses”, afirma Dias.

Fora do debate teórico, a indicação de administrador tem gerado uma série de suspeitas pelo país afora. Caso recente ocorreu em meados deste ano na 1ª Vara de Coruripe, no interior de Alagoas, onde a Laginha Agroindustrial está em processo de falência para quitar dívidas avaliadas em R$ 4 bilhões com cerca de 8 mil credores. Uma comissão de juízes destituiu o responsável pela administração da massa falida, que atuava no caso há três anos, para indicar um novo administrador com relações pessoais com um dos magistrados

A usina de etanol e açúcar pertence ao Grupo João Lyra, ex-deputado e empresário falecido em 2021. A falência foi decretada em 2014. Em 2024, o processo é alvo de polêmica no Tribunal de Justiça de Alagoas: o desembargador e relator em segunda instância Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho apontou que 13 dos 17 desembargadores se declararam impedidos ou sob suspeição de acompanhar o caso por relações com o grupo empresarial.

O processo foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde apenas seis desembargadores se disseram impedidos. O STF assume o caso se forem nove impedidos. A Corte Suprema segue analisando o caso, que está suspenso aguardando decisão do ministro Nunes Marques.

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