InícioNotíciasPolíticaA naturalização de banalidade (por Edson de Oliveira Nunes)

A naturalização de banalidade (por Edson de Oliveira Nunes)

O “ocidente”, como o conhecemos, é uma exportação da Europa do Atlântico Norte e dos Estados Unidos. Este ocidente produziu Estados secularizados. Inventou princípios de vida social escorados na convicção de que as sociedades são feitas de indivíduos autônomos, não de religiões, coletividades familiares ou locais. E estabeleceu que são sociedades baseadas numa economia de mercado, de novo, baseada em indivíduos, não em coletividades. Indivíduos que agem em liberdade completa, sem constrangimentos.

Este tal “mercado” é um animal esquisito, embora pareça natural para muitos de nós. Foi criado com base na confiança entre indivíduos, nas transações que conduzem entre si. Confiança é parte integrante do mercado em seu nascedouro. Como nem todas as pessoas são modelos de virtude, o mercado se desvirtuou, e se desvirtua, pela operação de indivíduos sem escrúpulos. Daí a necessidade de estabelecer regras para a operação do mercado. Tais regras, nos acostumamos a chamar de Estado.

Mais tarde, aparecem intelectuais e revoluções que confundiram as duas coisas. Entenderam que o Estado era a solução dos desejos e vontades das pessoas e que tal Estado deveria equalizar todos as vontades e desejos num conjunto de regras Estatais. Assim, a liberdade, que estava na base da invenção do tal “mercado”, conheceu o seu sócio, o Estado. Em alguns lugares, o sócio virou majoritário e onisciente, acabou corroendo as liberdades e os indivíduos que inventaram a coisa.

De todo modo, convencionou-se, no pós-guerra, que era de esquerda quem gostava das soluções pela mão do Estado. E era de direita quem achava que a sociedade era composta de pessoas, desejos e sonhos e que, por alguma razão, tinham desprezo pelo Estado

Não deu certo. Os Estados não entendiam as pessoas, unidades microscópicas e responsáveis pela existência da tal “sociedade”. Foram embora os Estados, ficaram as pessoas e, claro, a sociedade. Acabou a ideia de que as sociedades, as pessoas, possam ser conduzidas por uma entidade relativamente nova, o Estado.

A nostalgia, a ausência desta convicção de que alguma entidade supraindividual possa resolver nossas mazelas, desejos, sonhos, falcatruas, defeitos, pecados, criações e esperança humanas, deixou um buraco, um vácuo na imaginação política. Ainda hoje, décadas após a queda do muro de Berlin, continuamos engalfinhados nesta dúvida fundamental, que pergunta: onde está a virtude, o suco da vida, nas pessoas e nos seus desejos, ou no Estado e nas suas certezas? No coletivo, movimentos sociais, partidos, corporações, coletividades em geral, ou nas pessoas, indivíduos, unidades microscópicas da existência da sociedade. A sociedade é composta de unidades microscópicas, gente, cada um de nós, ou por entidades colegiadas?

O Brasil está capturado por esta dúvida. Onde está a virtude?

O Brasil soube viver à sombra da modernidade representada pelas sociedades do Norte Atlântico. Pegamos uns pedaços desta modernidade. E mantivemos aquilo que a contradiz, clientelismo, familismo.

O Brasil se especializou em domesticar a modernidade, em favor de uma sociedade inigual, pouco democrática, desde o ponto de vista dos direitos econômicos e sociais. Somos um país de instituições modernas a funcionar bastante bem, combinadas com uma sociedade indesculpável. Uma democracia que funciona a contento, conforme nossos cânones de cientistas políticos e sociólogos, combinada com um indesculpável compadrio político, uma luta de preservação de direitos de castas políticas ofensivas à sociedade empobrecida que temos.

Domesticamos a modernidade. Parecemos um país moderno desde o ponto de vista institucional. Somos um país lamentável do ponto de vista social, da confiança entre indivíduos. Somos um país moderno com uma sociedade desagradável que acha normal os políticos que temos, a política que temos.

Aqui vem a outra parte do título, a normalização da banalidade. Nossas instituições modernas, capturadas pela nossa “brasilidade” funcionam, por baixo, como um mercado persa, de patronagem, familismo, amizades, permanências, comando, controle do fluxo de riqueza e poder. Quem nos governa, aparentemente escorados em instituições sólidas, vive de vantagens pessoais, quase gregas, ademais de benefícios de toda ordem.

O Estado que temos não é nosso, é dos outros, nunca nosso. As discussões em torno do futuro do Brasil estão amarradas por cargos, benesses, vantagens pessoais e de grupos, diferimento de impostos, incentivos seletivos a grupos empresariais o tal “coletivo”. Se escondem entre “direita” e “esquerda”, claro, mas deixam à mostra um estamento do qual não fazemos parte. O Estado Moderno não é nosso, é de quem o domesticou.

Funcionamos institucionalmente bem, sim, mas sob o manto da absoluta domesticação da sociedade. O Estado Brasileiro, administrado pelos que o capturam, vive de um acordo nocivo. Funciona a favor da domesticação da modernidade, dos indivíduos. Agora, adotou a ideia de que o que vale são os movimentos sociais. A eles deu invenção e os domesticou. Mas isto não passa de uma estratégia de controle de poder e recursos materiais. Nem os movimentos sociais, administrados agora pelo Estado, nem os indivíduos microscópicos tem valor e poder.

Não surpreende, então, que naturalizemos o banal, o incompetente, o primitivo A discussão política é administrada por banalidades várias, como se o banal fosse natural. E como se a falta de sofisticação intelectual e a falta de conhecimento fossem naturais.

E este é um problema brutal, não desprezível. A domesticação da modernidade implicou em transformar em coisa normal a discussão das banalidades. E tudo hoje, com vantagens ainda, se resume ao tal “debate” entre esquerda e direita, com fundamentos tão banais quanto a natureza cotidiana da institucional, desprovida de bons debates e argumentos.

Enquanto a sociedade, movida, inclusive, por alguns de seus representantes e intelectuais, chafurda na polêmica entre a tal esquerda e a tal direita, todas bem primitivas neste canto de mundo, o estamento do andar de cima, composto, inclusive por funcionários públicos, continua a usufruir de tudo o que quer. Não atribuam somente a derrotas do governo os ganhos corporativos, salariais e tudo mais recentemente aprovados pelo congresso. Não são. O pessoal que vem ganhando continua ganhando. Continua sendo o governo dos outros.

E nós aqui fora a discutir.

Edson de Oliveira Nunes é Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Berkeley e Autor. Foi Presidente do IBGE, Presidente do Conselho Federal de Educação, pró-Reitor da Universidade Candido Mendes, Secretário Geral do Ministério do Planejamento

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