Um homem, já de idade avançada, vibrou ao ser filmado enquanto defecava sobre uma mesa no Supremo Tribunal Federal (STF). Nenhuma cena ilustra melhor o efeito que o ex-presidente Bolsonaro exerceu sobre os seus apoiadores mais fiéis: a completa incapacidade de perceber o caráter grotesco e escatológico dos seus atos. “ Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”, disse certa vez o seu ministro de relações exteriores.
Sem perceber que, cada vez mais se tornavam párias, muitas pessoas abandonaram suas famílias para acampar em quartéis e pedir ditadura militar. Finalmente, no dia 8 de janeiro, aqueles que inicialmente diziam defender a ordem, realizaram invasões e depredações no congresso nacional, no Palácio do Planalto e no STF.
A violência não era somente uma tentativa criminosa de troca de governantes, era a tentativa de troca de povo. O que se pleiteava era expulsão dos pobres, dos negros, dos homossexuais e das mulheres das escolhas políticas. A infâmia foi o avesso do patriotismo, uma declaração de ódio ao Brasil e aos brasileiros.
Alguns foram presos. Então descobriram finalmente a importância de existirem boas condições carcerárias. Perceberam que é absurdo alguém ficar detido por mais de 24 horas sem ver um juiz, por isso querem audiências de custódia, exigiram direito de defesa.
Esqueceram momentaneamente que idolatram um político que comemora a execução de pessoas presas. Não perceberam que, caso estivéssemos no regime militar do qual são saudosos, estariam “desaparecidos” e sendo torturados agora, caso ainda estivessem vivos. Depois, o seu líder homenagearia os torturadores e tripudiaria dos parentes que procurassem notícias deles, pois quem procura osso é cachorro.
Talvez, seja uma boa oportunidade para entender como funciona uma defesa penal. Muitas vezes, como neste caso, é incontroverso que um crime aconteceu. Mas, isso não quer dizer necessariamente que foi aquela pessoa especificamente que o cometeu, mesmo quando a polícia, a imprensa e o ministério público afirmam que foi. A forma de tirar a dúvida é através de um processo, com um juiz imparcial. Enquanto houver dúvida, presume-se a inocência.
A culpa precisa ser provada por quem acusa. A defesa tentará apontar quando as regras do processo não forem cumpridas, vai tentar demonstrar que a acusação não conseguiu provar a culpa, ou até que acusaram a pessoa errada. Se o juiz for notoriamente inimigo do réu ou ajudar o acusador, não se pode confiar no seu julgamento, que será nulo.
Mesmo quando as provas apontarem claramente para a condenação, a defesa tentará delimitar a sua exata extensão, para que a pena siga as regras e não seja excessiva. A conduta de quem agrediu policiais ou furtou uma réplica da Constituição, por exemplo, não é igual a de quem quebrou os vidros ou destruiu obras de arte.
Se houver decisões contrárias ao réu, a defesa vai recorrer. Até o julgamento do último recurso, o réu continuará sendo presumido inocente, simplesmente porque o processo não acabou. Por isso, não existe “descondenado.”
Mesmo após o processo, a defesa continuará atuando durante a execução da pena, para que ela não seja desviada ou extrapolada. Durante todo esse trâmite, a defesa lutará para que não haja prisão antes da condenação e pelo tratamento digno ao acusado, que é uma pessoa, não um “vagabundo”.
Golpistas perguntam: “onde está o pessoal dos direitos humanos agora?” Está onde sempre esteve e vai defendê-los judicialmente. Vai defender que não sejam torturados, executados ou trancados em porões sem condições dignas.
Defensor criminal não defende a prática de nenhum crime, nem homicídio, nem roubo, nem corrupção, nem crimes contra a democracia. Mas, defende qualquer pessoa que tenha sido acusada, seja ela um jovem pobre apontado como autor de furto famélico, ou um homem branco rico que chama direitos humanos de esterco da vagabundagem e resolve cagar na própria justiça e na democracia brasileira.
Rafson Ximenes é Defensor Público Geral da Bahia