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Bahia concentra 70% de toda anfetamina apreendida no Brasil em 2022

Na parada dos postos, na pausa para o cafezinho ou no intervalo entre horas de direção. São esses os contextos de uso do rebite, droga derivada da anfetamina que é de uso comum de alguns caminhoneiros para evitar o sono durante as viagens, apesar de seu consumo durante a condução ser proibido. Só nas rodovias e estradas que cortam a Bahia, a Polícia Rodoviária Federal (PRF-BA) apreendeu, de janeiro a dezembro de 2022, 286.451 unidades de comprimidos de anfetamina. O número é 70 vezes maior em relação ao ano de 2021, quando 4.085 unidades da substância foram apreendias no estado. 

Os valores registrados na Bahia representam mais de 70% do total de apreensões de anfetaminas no Brasil em 2022. No recorde de quantidades apreendidas a nível nacional, Feira de Santana figura no topo, sendo a cidade onde 282 mil unidades de comprimidos de rebite foram apreendidos em uma única ocorrência, na BR 116.  

De acordo com Mário Henrique, chefe do Núcleo de Comunicação Social da PRF-BA, o aumento de apreensões cresceu de forma alarmante justamente por conta da ocorrência em Feira de Santana, além de número maior de fiscalizações. Ele conta que grande maioria das apreensões feitas no estado são em pequenas quantidades, indicando o porte da droga para consumo próprio. Sendo assim, a quantidade confiscada na Princesa do Sertão logo levantou suspeita de que a cidade estaria sendo utilizada como rota de abastecimento.  

“Muito provavelmente [os comprimidos] seriam distribuídos para outras regiões para serem revendidos. Seria ali um entreposto. Feira de Santana é um grande anel rodoviário que temos no estado, com saída para vários lugares, tanto dentro do estado quanto para fora”, aponta. 

A ação que ocasionou a apreensão dos comprimidos em Feira fez parte da Operação Cerco Fechado, focada no combate ao tráfico de drogas e armas. Foi estimado um prejuízo de R$ 1,69 milhão aos traficantes. Os pacotes de anfetamina foram localizados em uma caixa que estava no bagageiro de um ônibus. O casal responsável pelo material foi preso pelo crime de tráfico de drogas. 

Para o chefe do Núcleo de Comunicação Social da PRF-BA, é válido ressaltar que não estão sujeitos a punição apenas aqueles que detém uma grande quantidade da substância. Conforme o artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência é uma infração grave com penalidade de multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses, podendo se enquadrar também como crime de trânsito. 

Rebite 

Os motoristas e caminhoneiros são os principais alvos das inspeções feitas pela PRF-BA, uma vez que é possível achar, nesses grupos, aqueles que costumam fazer uso do rebite. Isso ocorre porque a droga atua no sistema nervoso central e faz com que o cérebro trabalhe mais depressa, causando a impressão de diminuição da fadiga, menos sono, perda de apetite e aumento da capacidade física e mental. Como resultado, quem dirige nas estradas consegue ter mais tempo de trabalho e maior possibilidade de lucrar. 

Para ter acesso ao rebite, seus usuários normalmente compram medicamentos que contém anfetaminas. Medicações desse tipo são prescritas para o emagrecimento, já que a substância costuma inibir o apetite. Após o efeito da droga, o perigo é iminente. “Muitos que já utilizaram dessa droga relatam que após o efeito estimulante existe um certo apagão. São nesses momentos que acontecem os acidentes graves”, afirma Mário Henrique. 

O psicanalista Luiz Alberto Torres trabalhou durante 25 anos com pacientes com histórico de abuso de drogas. Ele confirma a incidência de acidentes após o uso do rebite e faz um alerta quanto ao seu consumo a longo prazo. “Tem riscos cardíacos, como arritmia cardíaca, aumento da pressão arterial. Do ponto de vista psíquico, pode dar insônia, ansiedade e desenvolver ideias paranoides, como a sensação de ser perseguido”. 

Diante dos perigos, a prescrição de medicamentos com anfetaminas, para Luiz Alberto, deve ser sempre criteriosa. Ele afirma, no entanto, que no Brasil o acesso tende a ser mais fácil porque o país é um dos que mais receitam remédios com a substância no mundo, seja para tratamento de obesidade ou para diagnósticos de TDAH. Isso acaba favorecendo o abuso da droga por aqueles que desejam sentir seus efeitos.
 

Ecstasy  

Para além de caminhoneiros e motoristas que trabalham com longas jornadas, o uso das anfetaminas é feito também por jovens que desejam se sentir mais ativos, resistentes ao consumo de bebida alcoólica ou por aqueles que buscam um corpo magro. Como alternativa a essas demandas, o ecstasy, também conhecido como MDMA, é a balinha mágica capaz de resolver tudo isso em um prazo curto.  

Tendo como princípio ativo a substância conhecida como metilenodioximetanfetamina, a MDMA é uma droga sintética que também é usada frequentemente para a recreação. Ela leva quem a consome a um estado de êxtase, como conta um jurista que preferiu não se identificar. “Ela me proporcionou mais resistência para ficar acordado e beber mais. E um tanto de euforia”, resume. 

O jurista afirma que consegue consumir ecstasy em festas, através de amigos de amigos. Foi dessa mesma maneira que uma comunicóloga, que também preferiu não se identificar, relata conseguir suas balinhas. Segundo ela, o público dessas festas é predominantemente branco e quem costuma ter acesso às drogas são integrantes da classe média e da camada A e B da sociedade baiana, com idades entre 20 e 35 anos. Trata-se, portanto, de uma droga cara e destinada a grupos e contextos seletos. 

“É sempre em festas, principalmente no Carnaval, entre amigos. É uma droga compartilhável. A sociabilidade da droga é algo importante para entender o fenômeno”, destaca a comunicóloga. 

Luiz Alberto Torres concorda e acrescenta que é a busca pelo prazer coletivo que motiva o uso da MDMA nesses casos. Apesar de não descartar ser possível haver um consumo controlado da droga, ele chama atenção para a busca incessante por esse prazer, que tende a esconder questões e causar problemas.  

“É um paradoxo. As pessoas buscam um bem-estar com a droga, mas os efeitos dessa droga levam o sujeito a aumentar a dosagem e isso gera risco e sofrimento. Assim, esse uso não pode ser banalizado. É preciso conhecer os riscos para que o pior possa ser prevenido”, enfatiza. 

Riscos 

O psiquiatra Antonio Carlos Freire aponta que o efeito colateral mais imediato do ecstasy é o quadro de astenia, secundário ao fim do estímulo químico das anfetaminas, quando o indivíduo pode recorrer a uma nova dose da substância, entrando num ciclo incessante de necessidade de novas tomadas e instalando, assim, o quadro de dependência química. Foi por essa situação que uma fonte, que preferiu manter sua identidade anônima, passou. 

“No dia seguinte ao uso do ecstasy eu estava com um baque de serotonina muito forte. No dia anterior você fica super para cima, mas quando tem a queda abrupta, você sente. Um gatilho mínimo faz você dar desabada”, diz. 

Outros efeitos incluem a dilatação das pupilas dos olhos, podendo causar desconforto visual, e aumento da frequência cardíaca. Além disso o comportamento das pessoas que fazem uso abusivo das anfetaminas pode começar a mudar. “Podem surgir agressividade, irritabilidade, e, até mesmo, ideação suicida e sintomas psicóticos tais como delírios e alucinações”, alerta Antonio. 

Os quadros graves de dependência de anfetaminas podem requerer internação hospitalar para desintoxicação. O psicólogo Marcos Maia destaca a importância do acompanhamento psicológico e familiar nesses casos, sobretudo quando os dependentes são jovens. 

“O apoio familiar é imprescindível nesses casos. Manter o diálogo, escutar e se aproximar dos jovens ajudará não se sentirem sozinhos e irá encorajá-los a compartilhar sobre o problema em questão”, afirma. 

*Com orientação da subeditota Fernanda Varela.

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