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Bahia é um dos estados com mais albinos no País

Os 80 quilômetros que separam Santo Antônio de Jesus, no recôncavo baiano, e a Ilha de Itaparica foram cruzados por Joselito Pereira, 67, diversas vezes durante a adolescência. Acompanhado da ânsia por descobertas e uma barraca de camping, o jovem saía escondido da família rumo às praias da ilha. Na época, Joselito não sabia que tinha uma doença genética e que o acúmulo de horas exposto ao sol, sem proteção adequada, traria consequências.

A pedagoga Domingas Pascoal, 47, tinha sete anos quando, em um passeio com a família, adquiriu uma queimadura de 2º grau na pele. Sem entender o que havia acontecido com a filha, a mãe de Domingas a levou ao médico em Inhambupe (153 km da capital), onde moravam. Descobriu que a terceira filha, que possuía a pele muito mais branca que os irmãos, tinha uma doença que piorava com a exposição ao sol. Foi o máximo de informação que teve ao longo de anos.

Domingas Pascoal e Joselito Pereira possuem albinismo. O distúrbio tem origem genética e se caracteriza pela ausência total ou parcial da melanina – pigmento responsável pela coloração da pele, pelos e olhos. Além da genética, ambos possuem em comum sequelas físicas de uma época em que pouco se falava sobre a condição. Lutar por políticas públicas e evitar que mais pessoas sejam vítimas da falta de informação são os motes do Dia Internacional de Conscientização sobre o Albinismo, celebrado neste dia 13. 

Ao menos 1.113 pessoas com albinismo residem na Bahia. A Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) realiza, atualmente, o Mapeamento da População com Albinismo no estado, mas, até agora, só possui dados sobre 185 dos 417 municípios. Por isso, a quantidade total de pessoas albinas é muito maior. Segundo o levantamento, as três cidades com mais pessoas albinas na Bahia são: Salvador (313), Feira de Santana (194) e Vitória da Conquista (148).

Por não possuírem a quantidade ideal de melanina, os albinos estão mais sujeitos a sofrerem com queimaduras pela radiação solar e câncer de pele. Por isso, os cuidados com a exposição ao sol devem ser redobrados. Protetor solar, chapéus, óculos, roupas UV e evitar estar em ambientes abertos nos horários em que o sol é mais forte, são cuidados essenciais. 

Joselito só descobriu o albinismo aos 20 anos de idade

(Foto: Acervo Pessoal)

Joselito Pereira só descobriu a condição genética aos 20 anos. “Minha família sabia que eu tinha uma pele frágil, mas não tinha condições econômicas e nem financeiras para saber de fato o que era”, relembra. Antes de se mudar para Salvador para estudar, ele morava na zona rural de Santo Antônio de Jesus, onde convivia diariamente com o sol a pino. 

Os anos exposto à radiação solar sem proteção fizeram com que ele adquirisse câncer de pele algumas vezes ao longo da vida adulta, chegando a ter mais de 100 lesões pelo corpo. “O tratamento para o câncer de pele é a retirada da lesão, mas quando os paciente possuem muitas lesões, acabam tendo que passar por muitos procedimentos cirúrgicos, por isso a prevenção é tão importante”, explica a médica dermatologista Iale Hora, da clínica Skincare. 

O acompanhamento deve ser iniciado ainda na infância e deve contar com profissionais oftalmológicos. Isso porque os olhos também possuem melanina e a falta do pigmento ocasiona distúrbios visuais como hipermetropia e estrabismo. 

Rompendo barreiras
Durante 10 longos anos, a professora Domingas Pascoal evitou passar mais do que poucos segundos em frente ao espelho. Não gostava do que via quando enxergava seu reflexo, fruto do preconceito e discriminação que foi vítima durante a infância e a adolescência. A autoestima só se fortaleceu em 2012, quando começou a frequentar a Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba), que é, até hoje, referência no país.

Nem sempre os filhos de casais albinos terão a mutação, que depende do tipo de gene afetado

(Foto: Acervo pessoal)

A professora se arrepia  quando lembra a primeira vez que esteve em um ambiente em que não era a única pessoa com albinismo. Foi ali que sua vida começou a mudar.

“Quando eu entrei na Câmara Municipal de Salvador e vi tantos albinos percebi que não estava só. Foi muito emocionante ver que as pessoas lutavam pelos nossos direitos. Eu me senti mais forte e meus olhos brilharam”, relembra. 

Por meio da Apalba, Domingas conheceu  o angolano Jorge, seu marido, com quem tem uma filha. A pequena Luiza Maria, de oito anos, nasceu com a mutação genética, mas, diferente da mãe, aprende desde cedo o que é o albinismo. “Luiza adora ir para a frente do espelho e tem a autoestima bem trabalhada. Ela tem os esclarecimentos que meus pais não tiveram, eles só sabiam o mínimo: que eu não podia tomar sol”, relata.  

Diferente de Domingas e Joselito, a fisioterapeuta Tuira Ornellas, 34, teve, desde cedo, informações sobre a condição genética. Com os cuidados redobrados, não desenvolveu câncer de pele. Tuira é diretora executiva da Apalba e está à frente da luta pela garantia de direitos da população albina. “As ações de prevenção tem um custo muito baixo. Para o Estado, é muito mais barato informar a população do que custear tratamentos complexos no futuro”, defende. 

A fisioterapeuta é mãe de Malu de 4 anos, que não possui albinismo

(Foto: Acervo pessoal)

Albinismo acomete pessoas negras com mais frequência
A falta de dados sobre a população com albinismo na Bahia e no Brasil dificulta que políticas públicas sejam pensadas para esse público. O que se sabe é que o estado é um dos que mais possuem albinos no país, devido a grande quantidade de pessoas afrodescendentes. Quem explica é Lilia Maria de Azevedo, professora titular do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, que já escreveu oito artigos acadêmicos sobre o tema.

“O albinismo tipo 2 é mais frequente em afro-americanos e africanos, ocorrendo em uma a cada 10 mil pessoas, o que explica a maior taxa de albinismo em populações do estado da Bahia, que apresenta uma frequência alta de afrodescendência”, afirma. O tipo 2 da confissão é caracterizado pela redução de pigmentação na pele, cabelos e olhos. 

Um estudo encabeçado pela professora Lilia Maria identificou que a maior parte das pessoas albinas residentes em Salvador, em 2017, vivia nas localidades com mais pessoas negras na cidade. Ilha de Maré, Fazenda Grande III e Cabula foram os bairros em que mais pessoas albinas foram identificadas proporcionalmente a quantidade de habitantes. Os três bairros somaram 12 pessoas. 

Para que os direitos básicos sejam garantidos às pessoas com albinismo, a Apalba luta pela implementação, na prática, da Política Estadual de Atenção Integral à Saúde das Pessoas com Albinismo no Estado da Bahia, instituída em março do ano passado. Entre as medidas estão: atenção especial na saúde, qualificação de profissionais e ampliação do acesso a serviços ambulatoriais. A garantia de distribuição de protetor solar gratuitamente já havia sido instituída no estado. 

“A política traz uma linha de cuidado para essas pessoas, que vai trabalhar a prevenção e tratamento do câncer de pele e a questão da visão subnormal, além de articular com outras políticas do Sistema Único de Saúde”, pontua Antônio Purificação, técnico da Diretoria de Gestão do Cuidado da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Ainda não há estimativa de quando o mapeamento de pessoas com albinismo será finalizado no estado.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela.

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