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Confissões de uma beterraba ao creme azedo

Eu estou vivendo uma fase de autoabsolvição de mancadas, deslizes e erros cometidos ao longo da vida. Não para dar exemplo, mas autocura mesmo. 

No que tange à cozinha, aproveito essa enorme vitrine confessionária, para dividir dois momentos da minha carreira profissional cruciais, que baixaram a minha bola ao nível que eu precisava para me enxergar sem make no espelho das vaidades, da ignorância e da miudez.  

A idéia é não justificar nada, porque se justifico não reconheço o erro – e este é um prato que se come cru, sem flor de sal e um fio sequer de azeite de oliva extravirgem – até que deixe de ser indigesto para se tornar fina iguaria no grande banquete da sabedoria. 

Já as desculpas, estas sim, irão à mesa na mais linda travessa da minha baixela de retalhos de heranças. Desculpas pela líder centralizadora e extremamente exigente que fui; desculpa aos colegas e clientes pela soberba. 

Rainha na barriga

Uma vez eu recebi um feedback de uma cliente muito assídua e querida, que depois de muitos anos consumindo todos os meus produtos, serviços, eventos e experiências, um dia arriscou me dizer: “Katita, eu sei que você não gosta de críticas, mas…” 

Eu perdi o chão. Como assim não gosto de críticas? Eu que sou tão aberta, tão flexível, tão fofinha, tão solícita, toda ouvidos! Falando isso para mim mesma e ao mesmo tempo dilacerada pela espada viking refletindo aquela luz da verdade que cega, me abrindo ao meio e expondo as entranhas da minha arrogância para quem quisesse ver. E quantas pessoas como ela teriam enxergado tamanha empáfia? 

Me senti tão envergonhada e burra que adoeci. E vi tantas coisas nessa febre, tantas memórias indesejáveis à espera paciente do momento em que se revelariam a mim com a impetuosidade de um Saturno na casa 10. 

E nunca mais fui a mesma, graças a Deus. E a Laura.

(Foto: Katia Najara)

Once upon a time London

A outra experiência teve a ver com uma ignorância de mundo mesmo, quando ainda não havia tido nenhuma oportunidade de viajar para além-mar nem mesmo por tour virtual.

Eu tenho uma cliente que à época morava com a sua família em Londres, e vinha passar pelo menos duas temporadas por ano em sua casa na Península de Maraú; me tornei a chef brasileira oficial da família e até hoje nutrimos delicioso vínculo.

“As crianças”, que hoje são adultíssimos, festejavam tanto a minha chegada que certa feita ela me convidou para cozinhar para eles em sua casa em Londres durante um período de férias em que nenhum deles viajaria. Fiquei super feliz e já imaginava o figurino que eu ia montar para entrar naquelas cabines telefônicas e descer daqueles busões luxo.

Corri para o orçamento. Bom, para preparar três refeições alto nível por dia para 5 a 6 pessoas eu ia precisar, no mínimo de uma, quiçá duas ajudantes. Porque seriam vários pratos, montagem das mesas, teria que acordar bem cedo, fazer compras, recolher uma refeição e já engatar a próxima e a próxima. Era babado, gente! O orçamento, em seu requinte de detalhes, ficou ridiculamente caro porque eu não sabia que gente chique não precisa contratar cozinheira (muito menos duas), nem faxineira, nem pintor; eu não poderia supor em minha vil ignorância que nem todas as culturas precisam de três refeições diárias com pelo menos seis opções à mesa; que poderia (e deveria) repetir o mesmo serviço de guardanapos e flores – para mim absolutamente necessárias, só para mim.

E demorei a entender que o real motivo da minha cliente ter declinado da proposta não foi por mudança de planos, mas pela minha incapacidade de entender que a última coisa que eles queriam era três menu-ostentação por dia. O que eles queriam, e talvez principalmente, era nos proporcionar a todos uma experiência bacana me acolhendo em sua casa, onde provavelmente cozinharíamos juntos e sem frescura. E eu, do mais alto grau de miopia, cai do cavalo e até hoje não fui a Londres.

Moral da história: Humildade e bom-senso na cozinha são dois ingredientes que a gente pode até pecar um bocadinho por excesso.

Lindo Katita, entendi, mas e essa beterraba ao creme azedo, é o que mesmo? 

Vriuge, já ia me esquecendo! É uma das saladas mais simples e sem frescura que eu preparo para os Graham, e eles amam. Só isso.  

BETERRABA AO SOUR CREAM – OU CREME AZEDO

Tome 200g de creme de leite fresco numa tigelinha, some o sumo de meio limão coado e misture com um fouet até ficar bem homogêneo. Acerte o sal e leve à geladeira por umas duas horas, no mínimo.

Cozinhe as beterrabas com casca em água com sal somente até ficarem minimamente macias ao garfo, mas ao dente por favor! Deixe esfriar, descasque, corte em cubos e leve à geladeira num vasilhame com tampa. 

Na hora de servir é só derramar o creme azedo sobre a beterraba, ralar casquinha de limão, rasgar umas folhas de hortelã e regar com oliva se achar necessário.

FIM

Kátia Najara é cozinheira e empreendedora criativa do @piteu_cozinhafetiva

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