No pátio de uma unidade prisional em Salvador, todos que aguardam pela hora da visita, em uma terça-feira de maio, são mulheres. Entre elas, está Ana Maria Reis, 46 anos, que deixou Feira de Santana às 5h30 para ver um dos dois filhos. Ela traz na bolsa biscoitos e materiais de higiene pessoal para Welber, preso há cinco anos.
A diarista se tornou uma ativista contra o encarceramento ao conhecer de perto a realidade das prisões brasileiras. Desde 2019, Ana participa de eventos e discussões contra o encarceramento e a infração dos direitos humanos. Em janeiro deste ano, desmaiou ao ver o filho de 1,90m pesando 40 quilos. Antes, ele havia tido tuberculose.
As terças-feiras são dias de visita na prisão onde o filho dela está – o nome será mantido em sigilo, a pedido de Ana. Ele foi condenado por roubo. “A testemunha não o reconheceu, mas ele continua preso”, diz a mãe .
Ao amanhecer, as primeiras mulheres aparecem na porta da unidade prisional. Elas são a maioria dos visitantes, homens quase não aparecem. Quando são as mulheres em situação de cárcere, no entanto, elas vivem o abandono.
Mãe presta suporte a outras mulheres
Pela vizinhança, no bairro feirense Santo Antônio dos Prazeres, Ana é reconhecida pelo suporte que oferece a mães de presos. Ela ajuda outras mulheres com informações sobre o acesso à Defensoria Pública e sobre a vida de familiares no sistema carcerário.
Essa é a rotina de Ana exceto nos dois dias em que trabalha como diarista. Uma parte da remuneração pelo trabalho, envia para o neto, filho de Welber.
“Ano que vem, pretendo entrar numa universidade e cursar Direito”, conta Ana, uma das integrantes da Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
Ao voltar para a sala de aula, Ana pretende retomar um ciclo interrompido depois do nascimento do primeiro filho. Sem opção, ela largou os estudos para se dedicar à criança, e voltou ao colégio apenas para terminar o Ensino Médio. Antes da prisão do filho, Ana trabalhava como cuidadora de idosos.
A gestação de Welber não foi planejada: aos 17 anos, vítima de um abuso sexual, ela engravidou. Tinha amparo legal para abortar, mas manteve a gestação. “Não estive só, meus pais nunca soltaram a minha mão”.
Na pré-adolescência, Welber exigiu conhecer o pai. “Vejo que esse elo foi destrutivo para ele. O pai fazia promessas que não podia cumprir, aí Welber se envolveu com drogas, deixou o colégio”, lembra Ana.
Passava das 20h de uma noite de outubro de 2017 quando o tempo pareceu ter parado para essa mãe. O telefone tocou e, do outro lado, uma voz conhecida quebrou o silêncio:
– Mãe, eu estou preso, preciso da senhora.
– Estou indo, filho – foi só o que Ana teve tempo de responder, antes de seguir para uma delegacia de Feira de Santana.
Sem rede de apoio
Ana é mãe de outro menino, hoje com 15 anos. Diagnosticado no TEA – Transtorno do Espectro Autista, o garoto requer cuidados que o pai se nega a dar – não só cuidados, como a pensão exigida por lei.
Ela compartilha a casa com esse filho, os pais e uma irmã. A mãe e a irmã de Ana também exigem atenção, por problemas de saúde, e é ela quem se encarrega desse papel.
“E de você, alguém cuida, Ana?”, a reportagem pergunta. “De mim? Ninguém cuida de mim [risos]. Eu tomei a decisão de não querer relacionamento nenhum. Isso dói em mim, mas eu precisei tomar essa decisão”.