Parintins, uma pequena cidade localizada no coração da Amazônia, é palco de um dos festivais mais vibrantes e emocionantes do mundo: o Festival de Parintins. O evento, um dos marcos regionais, tornou-se um verdadeiro fenômeno nacional nos últimos dias após Isabelle Nogueira, uma das representantes da celebração nortista, entrar no BBB 24 e mostrar mais da tradição para os brothers da casa e, consequentemente, para o país. Além disso, a manauara conseguiu um feito nunca visto antes: a união entre os bois.
O festival é marcado pela disputa entre dois grupos folclóricos rivais, o Boi Garantido, de cor vermelha, e o Boi Caprichoso, de cor azul, e acontece anualmente, no último fim de semana de junho, atraindo milhares de pessoas para ilha que fica a 369 km de Manaus. É uma rivalidade que deixa as conhecidas “rixas” futebolísticas no chinelo, porém, pela primeira vez na história, as agremiações se uniram a fim de garantir a permanência da manauara na casa mais vigiada do Brasil.
“Trégua”, é assim que Rossy Amoedo, presidente da agremiação do Caprichoso, define ao Metrópoles a união entre os dois bois para torcer para Isabelle no BBB 24.
“É o momento de quebra de uma tradição mais que centenária em prol a um bem maior, que é o Festival Folclórico de Parintins. Nós sabemos que esse duelo amazônico, esse duelo da cultura popular, é alimentado pela rivalidade, mas também sabemos que, de alguma maneira, quando se tem a cunhã-poranga do Boi Garantido, as pessoas também tomam conhecimento da existência de outro bumbá, com outra cunhã-poranga, com tudo aquilo que compõe os bumbás. Então é muito importante que ambas as torcidas estejam em prol desse movimento”, explica Rossy.
Apesar da torcida declarada, o presidente do Caprichoso deixou claro que o incentivo é para que Isabelle seja campeã apenas no reality da Globo:
“Nesse momento nós queremos que Isabelle Nogueira seja campeã do BBB, e que a nossa cunhã-poranga e o nosso Boi consagrem-se campeões do Festival de Parintins sobre o boi contrário”.
Garantido x Caprichoso A rivalidade entre os bois Garantido e Caprichoso é intensa e, durante o evento, a cidade fica dividida entre os torcedores das duas agremiações, cada um vestindo as cores de seu boi com orgulho e paixão.
O Garantido, em que Isabelle Nogueira é cunhã-poranga — item que representa o protagonismo feminino na festa e na sociedade — é conhecido como o “Boi do Povão”. Ao Metrópoles, Fred Goés, presidente da agremiação do Garantido, revelou o motivo por trás da denominação:
“O boi nasceu na Baixa do São José, uma área de transfiguração étnica muito grande de negros e indígenas, e também dos descendentes da colonização. Nessa mistura, surgiu um povo com uma identidade extremamente simples, uma vila de pescadores, como toda vila de pescadores são pessoas humildes, pessoas do povo”.
Cunhã-porangas do Garantido e do Caprichoso Festival de Parintins Durante três noites de apresentações, as equipes competem entre si, mostrando todo o seu talento em danças, músicas, coreografias e cenografias elaboradas. Os elementos tradicionais da cultura amazônica, como os ritmos carimbó, toadas e a influência indígena, são incorporados às performances.
Apesar da grande festa no Bumbódromo — espécie de estádio destinado às apresentações das duas equipes — o evento não se limita a isso. As ruas de Parintins se enchem de vida com desfiles de rua, feiras de artesanato, gastronomia típica e manifestações culturais diversas, envolvendo toda a comunidade local e os visitantes que saem de diversas partes do Brasil e do mundo.
Bumbódromo, onde acontecem as disputas entre Garantido e Caprichoso Segundo o secretário de Cultura e Economia Criativa do Amazonas, Marcos Apolo, o evento, que é considerado o maior festival folclórico a céu aberto do mundo, atraiu 110 mil turistas para Parintins em 2023, o que significa que a ilha mais que dobra seu número de habitantes no período da festa, uma vez que a população do município é de 96.372 pessoas, de acordo com o Censo de 2022.
História do festival No início do século 20, surgiram os primeiros indícios do Festival de Parintins, com grupos menos organizados dos bois Garantido e Caprichoso, os quais já nutriam uma rivalidade latente. Além deles, outros bois, como Diamantino, Ramalhete e Mina de Ouro, também marcavam presença antes do evento oficial.
Foi somente em 1965 que o festival foi oficialmente estabelecido, graças a um grupo de amigos associados à Juventude Alegre Católica (JAC). A iniciativa visava angariar fundos para a construção da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, a padroeira de Parintins.
A partir desse momento, a rivalidade entre Garantido e Caprichoso se tornou mais evidente. Em 1975, a organização do festival foi assumida pela Prefeitura de Parintins, e o local do evento foi transferido para o Centro Comunitário Esportivo. Com o passar do tempo, o festival ganhou relevância nacional, tornando-se uma atração turística e recebendo atenção da mídia.
Festival de Parintins – 5
Festival de Parintins Reprodução/Redes Sociais
Festival de Parintins – 1
Festival de Parintins Reprodução/Redes Sociais
Festival de Parintins – 2
Festival de Parintins Reprodução/Redes Sociais
Festival de Parintins – 3
Festival de Parintins Reprodução/Redes Sociais
Festival de Parintins – 4
Festival de Parintins Reprodução/Redes Sociais
O Caprichoso, também conhecido como Touro Negro, foi fundado pelas mãos de famílias nordestinas que fincaram raízes no Norte, e, até hoje, o legado de seus ancestrais é reverenciado nas apresentações. A cunhã-poranga do boi branco e azul, rival de Isabelle, é Marciele Albuquerque.
O boi branco e azul foi o vencedor do último festival, em 2023. Porém, em 55 edições do festival, o Garantido foi campeão por 32 vezes, enquanto o Caprichoso venceu 24. Em 2000, houve empate.
De Parintins para o mundo É inegável que a participação da “cunhã” do Garantido no BBB despertou a curiosidade de milhares de brasileiros sobre o festival, e as duas equipes rivais também concordam nisso.
“Ela acaba refletindo a importância que o Festival de Parintins tem em termos culturais, pela própria postura dela, de colocar a sua maneira natural de falar sobre a sua origem, sobre a sua aldeia, sobre a sua história enquanto mulher que representa um grande símbolo do Festival de Parintins, ela acaba transformando essa participação como se fosse o próprio festival sendo projetado para uma grande mídia”, afirma Fred Góes, presidente do Garantido.
Rossy Amoedo, do Caprichoso, afirma ainda que o evento só não tem projeção nacional e internacional por não estar localizado no eixo Rio – São Paulo.
“A gente entende que tudo que é do Norte, de alguma maneira, tem um prejuízo no sentido da questão demográfica e geográfica, na questão de estarmos distantes dos grandes centros, das grandes metrópoles, que são privilegiadas com uma série de benefícios e bens culturais, econômicos e sociais que não nos chegam. Então, fazer com que o mundo inteiro possa conhecer essa festa é fazer também com que os nortistas, a sua cultura, sejam valorizados”, explica.
Incentivo do governo Marcos Apolo, secretário de Cultura do Amazonas, também atrela a baixa visibilidade do evento à localidade e até compara o festival com a festividade do Carnaval.
“Entendo que o Carnaval, uma manifestação cultural já conhecida e praticada em outros lugares do mundo, guardadas suas proporções culturais, sempre teve uma promoção e fruição nacional. Por estar em uma região ‘privilegiada’, onde a cobertura da mídia e o olhar de investidores estão mais focados, sua imagem para o resto do mundo tornou-se muito mais acessível. Parintins está no Norte, em um município do Amazonas. É difícil imaginar para a elite cultural do país existir algo tão grandioso quanto o Carnaval”, explica.
O secretário ainda ressalta o compromisso do governo do Amazonas em “romper essa bolha” e fazer com que cada vez mais pessoas conheçam a tradicional parintinense:
“Acreditamos e trabalhamos diariamente, não só como Governo, mas em conjunto com artistas e a sociedade civil, para romper essa bolha e apresentar ao mundo nossas manifestações legítimas, originárias, centenárias, que contam a história do nosso povo e falam dos povos originários, da floresta, da Amazônia.”
Em 2024, o festival acontece nos dias 28, 29 e 30 de junho e segundo o governo do Amazonas, é estimado que Parintins receba 130 a 150 mil pessoas.