A Fundação Hemocentro de Brasília chamou de “grave retrocesso ético” o avanço da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a venda de plasma do sangue humano. O texto polêmico acabou aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nessa última quarta-feira (4/10), por 15 votos a 11.
O projeto quer alterar um trecho da Constituição Federal, que estabelece que o sangue é tratado como órgão e, por isso, não pode ser comercializado, podendo ser coletado para fins de transplante, pesquisa e tratamento.
Hemocentro Em nota de repúdio publicada nesta quinta-feira (5/10), o Hemocentro condenou a PEC. “A tentativa de alteração do texto permitirá a comercialização do sangue e dos seus derivados, ocasionando grave retrocesso ético na Política Nacional do Sangue, que busca sempre melhorar a qualidade dos processos e produtos, aumentando a segurança para doadores e receptores”, traz a nota.
O Hemocentro destaca ainda que “a doação de sangue deve ser sempre um ato voluntário, altruísta e não remunerado”. Senadores críticos ao projeto apontaram, durante o debate na Casa, que a venda do plasma pode esvaziar a doação do sangue no Brasil, além de abrir portas para outras vendas, como a comercialização de órgãos.
Caso a proposta seja aprovada no Congresso e sancionada, haverá permissão para que a iniciativa privada faça a coleta, o processamento e a comercialização de plasma humano “para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de medicamentos hemoderivados”.
O texto ainda prevê que esses medicamentos produzidos pela iniciativa privada sejam destinados “preferencialmente” ao SUS, o que não garante exclusividade ou mesmo uma parte específica da produção à rede pública.
Parlamentares a favor da matéria usaram como justificativa a necessidade de que o Brasil comece a produzir medicamentos hemoderivados, o que não ocorre porque no país não há processamento de plasma e esses medicamentos acabam sendo adquiridos no exterior.
Houve forte campanha do setor privado para aprovação da matéria. O plasma é usado para produção de medicamentos hemoderivados, como imunoglobulina, indicados para pacientes com alguma imunodeficiência.
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Paciente recuperado do coronavírus doa amostras de sangue para extração de plasma. Junho de 2020, Iraque Ameer Al Mohammedaw/picture alliance/Getty Images
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Plasma sanguíneo usado para produção de medicamentos Jonathan Brady/PA Images/Getty Images
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Relatora da PEC do Plasma, Daniella Ribeiro (PSD-PB) defende que matéria é necessária para que haja produção de medicamentos hemoderivados no Brasil Lula Marques/ Agência Brasil
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Senador Nelsinho Trad (PSD-MS), autor da PEC do Plasma Pedro França/Agência Senado
Reação contrária
Antes da aprovação do texto na CCJ, o ministro Alexandre Padilha foi ao Senado e fez um apelo, que não surtiu efeito. “Essa PEC autoriza empresas privadas a captarem o sangue humano e venderem produtos desse sangue. É um verdadeiro vampirismo mercadológico: autorizar empresa privada a sugar o sangue da população e a transformar em produto a ser vendido, com o discurso de comprar esses produtos para tratar pacientes privados”, disse.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também se manifestou, apontando que a aprovação do projeto “pode causar sérios riscos à Rede de Serviços Hemoterápicos do Brasil e ao Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados”.
“A comercialização de plasma pode trazer impacto negativo nas doações voluntárias de sangue, pois estudos sugerem que, quando as doações são remuneradas, as pessoas podem ser menos propensas a doar por motivos altruístas”, afirmou. Para a fundação, é necessário aprimorar a política nacional de sangue, fortalecendo a Hemobrás, para que ela possa produzir no máximo da sua capacidade.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também esteve no plenário da CCJ pedindo a rejeição do texto. Ainda não há data prevista para a votação no plenário da Casa.