A Justiça do Trabalho bloqueou R$1 milhão em bens da família que submeteu a doméstica Madalena Santiago da Silva, 62 anos, a trabalho análogo à escravidão durante 45 anos. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), o bloqueio faz parte de uma ação cautelar para garantir danos morais e verbas rescisórias, além do pagamento de um salário mínimo para a doméstica, enquanto a ação principal tramita na Justiça do Trabalho.
Madalena nunca recebeu salário, teve R$20 mil referente sua aposentaria roubados pela filha do casal para quem ela trabalhou em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. A doméstica também teve os dados usados pela mulher para contratar empréstimos, sofreu maus-tratos, foi vítima de injúria racial, além de ter sido expulsa há um ano pela filha dos patrões.
“Eu estava sentada na sala, ela passou assim com uma bacia com água e disse que ia jogar na minha cara. Aí eu disse: ‘Você pode jogar, mas não vai ficar por isso’. Aí ela disse: ‘Sua negra desgraçada, vai embora agora’”, disse Madalena na entrevista à TV Bahia. “Era um sábado, 21h, chovendo e eu não sabia para onde ir”, lembrou.
Instruída por outras pessoas, Madalena foi até a sede do MPT, no final de dezembro do ano passado, onde fez uma denúncia. O caso foi investigado e no início de abril o MPT ingressou com a ação cautelar.
No pedido, a procuradora Lys Sobral, coordenadora nacional de combate ao trabalho escravo do MPT, pediu que fossem bloqueados bens no valor de R$1 milhão para garantia das verbas rescisórias e dos danos morais que serão pedidos na ação principal.
A juíza titular da 2ª vara do Trabalho de Salvador, Vivianne Tanure Mateus, acolheu integralmente os argumentos e determinou o pagamento de um salário mínimo até o julgamento da ação principal e o bloqueio dos bens.
Atualmente Madalena vive em uma casa simples alugada e montada com apoio de vizinhos.
Foto: Reprodução/TV Bahia |
Expulsa após descobrir roubos
Madalena morava com os patrões desde 1975, quando foi entregue pelo próprio pai para trabalhar como doméstica. Na época ela tinha 16 anos e cuidava da casa, e da única filha do casal.
Em depoimento, a patroa, que não teve o nome divulgado, disse que o marido ajudou a dar entrada em um processo de aposentadoria por contribuições como autônoma. O dinheiro era depositado em uma poupança e parte dele foi usado para comprar móveis para o quarto da doméstica no sítio dos patrões.
Antes de morrer, em 2020, o patrão de Madalena descobriu um desfalque nas contas deles e da doméstica, feito pela filha do casal. A mulher também fez uma série de empréstimos consignados em nome de Madalena.
Descoberta, a filha foi confrontada pelo pai e a relação desandou. Na mesma época Madalena foi expulsa por ela, sem direito a levar seus pertences nem a qualquer pagamento.
Desamparada e sem meios, acabou acolhida por pessoas da comunidade e orientada a procurar o MPT. No dia 8 de abril, o Grupo Especial de Fiscalização composto por auditores-fiscais do trabalho e com a presença de uma procuradora do MPT e de servidores da União com o apoio da Polícia Militar, encontrou Madalena vivendo na casa de um vizinho.
Marcas da humilhação
Até hoje carrega as marcas dos maus-tratos que sofreu pela família para quem trabalhava. Na última quarta-feira (27), Madalena chamou a atenção pela forma como reagiu após tocar na mão da repórter da TV Bahia, Adriana Oliveira.
“Fico com receio de pegar na sua mão branca”, disse a doméstica assustada e aos prantos durante a reportagem. Sem entender, Adriana estendeu as mãos para ela e a questionou. “Mas por quê? Tem medo de quê?”.
Madalena então explicou que achava feio sua pele escura perto da pele clara da repórter. “Porque ver a sua mão branca. Eu pego e boto a minha em cima da sua e acho feio isso”, disse com lágrimas nos olhos.
“Sua mão é linda, sua cor é linda. Olhe para mim, aqui não tem diferença. O tom é diferente, mas você é mulher, eu sou mulher. Os mesmos direitos e o mesmo respeito que todo mundo tem comigo, tem que ter com você”, pontuou a jornalista tentando acalmar a idosa.