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Lula perde carisma, e ‘horror da ditadura’ não pode ser esquecido, diz Fábio Konder Comparato

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Presidente Lula (PT) 30 de março de 2024 | 13:07

O advogado Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e um dos principais juristas do país, afirma que Luiz Inácio Lula da Silva já não tem o carisma de outrora e que o PT já deveria começar a preparar o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para sucedê-lo na Presidência.

Referência da esquerda sobretudo na área de direitos humanos, após um início de carreira voltado também ao direito comercial, Comparato atuou na defesa de presos políticos e por reparação aos perseguidos pela ditadura.

Esteve à frente de causas simbólicas dos familiares e mortos e desaparecidos, como as da família Almeida Teles e Luiz Eduardo Merlino contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e de Inês Etienne Romeu contra a União Federal. Assinou também a ação da OAB no Supremo Tribunal Federal sustentando que a Lei da Anistia não poderia impedir a punição de crimes contra a humanidade perpetrados na ditadura.

“Vivemos uma situação em que é importantíssimo que haja uma figura carismática no governo. E, infelizmente, o Lula está perdendo o seu carisma. E eu penso que talvez fosse o caso de se começar a atuar no sentido de fazer do Fernando Haddad uma espécie de bom sucessor do Lula”, disse Comparato à Folha de S.Paulo.

“Agora, eu não sei como se pode fazer isso, porque antigamente havia partidos políticos, hoje não existem mais partidos, existem personalidades. E as personalidades que contam na política vão diminuindo, podemos contá-las com os dedos de uma só mão.”

Segundo o jurista, os atuais partidos já não têm força para fazer a sociedade avançar. “Precisamos criar um grupo de políticos, de intelectuais e gente com capacidade e experiência para reformular as atividades daquilo que nós chamávamos outrora esquerda, que pressuponha uma oposição ao que parece ser a única realidade política atual, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, que é a direita.”

Comparato deu as declarações no contexto do posicionamento de Lula em relação ao passivo da ditadura. Ele disse que discorda da recente declaração do presidente de que a ditadura “faz parte da história” (“não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente”, afirmou Lula) e da determinação do petista para que órgãos do governo não lembrem os 60 anos do golpe, neste 31 de março.

“Eu acho que não se pode esquecer esse horror. E, sobretudo, é preciso levar em consideração o fato de que toda a juventude brasileira nasceu depois do golpe não viveu nada daquilo. Qualquer que seja a nossa posição quanto ao governo Lula, é preciso não esquecer o horror do golpe de 64. É preciso, antes de mais nada, não perder este horror na nossa memória coletiva.”

Ainda assim, observou Comparato, é preciso que Lula tenha diálogo com os militares e, nesse sentido, o advogado defende que o presidente siga “os conselhos do ministro José Múcio [Defesa]”.

“Evidentemente, ele está mais ligado aos militares do que o presidente, mas, sobretudo, ele parece consciente de que nós estamos vivendo um momento difícil. E a minha impressão é de que o Lula não tem consciência disso. É preciso que haja um interregno, uma conversa séria do governo com o grupo militar.”

Comparato considera que os desdobramentos quanto às tentativas de golpe por parte de Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados e aos ataques de 8 de janeiro “têm que continuar como o ministro Alexandre de Moraes determinou. Ou seja, nós não podemos esquecer esse assunto. É preciso pelo menos iniciar os processos penais”.

Aos 87 anos, Comparato não advoga mais, e diz que não tem saído de casa por questões de saúde. Mas continua, apesar das limitações, a tomar parte no debate público. Ao conversar com a reportagem por telefone no último dia 20, acabara de participar de uma reunião por vídeo da Comissão Arns, da qual é um dos ilustres integrantes –como diz fazer semanalmente.

“Eu estou sujeito àquela praga que se chama velhice. De qualquer maneira, eu espero que outras pessoas mais jovens tenham a convicção de que nunca se pode esquecer os horrores de governos ditatoriais que duraram pelo menos duas décadas no Brasil.”

Fabio Victor / Folhapress

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