O fortalecimento de uma base de apoio parlamentar está sendo levado tão a sério pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que ele está abrindo mão dos tradicionais recados nas entrelinhas da política e sendo explícito no apoio às reeleições de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a do Senado.
Na primeira reunião ministerial na nova gestão federal, na última sexta (6/1), Lula chamou a imprensa para registrar seu discurso inicial, citou nominalmente os presidentes das duas Casas do Congresso e cobrou de sua equipe que trate bem todos os parlamentares: “É preciso que a gente saiba que é o Congresso que nos ajuda. Nós não mandamos no Congresso, nós dependemos do Congresso e, por isso, cada ministro tem que ter a paciência e a grandeza de atender bem cada deputado, cada deputada, cada senador, cada senadora”, afirmou o petista.
Lula se preocupa porque, mesmo após ter acomodado em seus ministérios integrantes de partidos que não o apoiaram desde o início da campanha, como MDB, PSD e União Brasil; o governo ainda tem uma base insuficiente para lhe dar conforto, sobretudo em casos de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e eventuais ameaças de impeachment.
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Lula em reunião ministerialRafaela Felicciano/Metrópoles
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Lula reuniu pela primeira vez os 37 ministros de sua terceira gestãoRafaela Felicciano/Metrópoles
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Lula na primeira reunião ministerialRafaela Felicciano/Metrópoles
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Alckmin diz que ninguém poderia vencer a eleição, além de LulaFoto: Rafaela Felicciano/Metrópoles
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Lula afirmou a ministros que seu governo é aberto a divergênciasRafaela Felicciano/Metrópoles
Por isso, o presidente não quer (nem pode) cometer um erro que já comprometeu os mandatos de antecessores dele, como Dilma Rousseff (PT) e Jair Bolsonaro (PL), além do próprio Lula em seu primeiro mandato: se envolver na disputa pela chefia de Câmara ou Senado e perder ou se arrepender de uma vitória de Pirro.
Em 2005, no início da segunda metade de seu primeiro mandato, Lula apostou na eleição do petista Luiz Eduardo Greenhalgh para a presidência da Câmara, mas quem levou o cargo foi o escolhido pelo grupo de deputados conhecido como “baixo clero”, Severino Cavalcanti (PP). Apesar do baque, o petista ainda conseguiu compor com os novos poderosos da Casa e não teve tantos problemas quanto seus sucessores que cometeram o mesmo erro.
Quem se deu pior foi Dilma, que, ao iniciar seu segundo mandato, estimulou o PT a se contrapor a uma vitória certa de Eduardo Cunha (MDB-RJ) com a candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP) e viu o eleito virar um adversário que acabou sendo fundamental em seu impeachment.
Já Bolsonaro iniciou uma relação turbulenta com o Congresso ao apoiar, logo no início de seu mandato, em 2019, as eleições de Rodrigo Maia (então no DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (então no DEM-AP) para as presidências de Câmara e Senado. Sem habilidade para articular com o Parlamento, Bolsonaro e seus aliados logo transformaram os dois em adversários e os culparam por não conseguirem avançar com a agenda do Executivo, numa situação que só mudou na segunda metade do Congresso, com a eleição de pelo menos um presidente de Casa legislativa mais alinhado com o governo: Arthur Lira.
Outro jeito de fazer políticaDiante desse histórico, a decisão de Lula de fechar com Lira não parece tão natural, afinal o candidato à reeleição na Câmara fez campanha aberta para Bolsonaro nas últimas eleições e nunca teve alinhamento com o PT. Para o cientista político André Cesar, da Hold Assessoria Legislativa, porém, é difícil que aconteçam problemas como os que atrapalharam a relação entre Bolsonaro e Maia.
“Lula não é Bolsonaro, é um político muito mais hábil. Bolsonaro transforma adversários em inimigos e impossibilita a relação. Já Lula senta e conversa. E uma parceria entre ele e Lira pode dar ganhos aos dois se for bem construída. Lula pode fazer o seu governo andar e Lira pode aumentar seu capital político e tentar voos mais altos, como uma candidatura ao governo em seu Estado”, avalia o especialista.
Ainda de acordo com André Cesar, porém, há fatores que podem atrapalhar a construção dessa relação, como a falta de jogo de cintura de frações do PT. “Muita gente do PT não abre mão da vontade de ser hegemônico, de não abrir mão dos espaços mais nobres nos ministérios, nas comissões do Congresso. Se Lula não conseguir controlar essas frações do PT, pode vir a colher uma crise ali na frente”, afirma o cientista político.
Reequilíbrio dos PoderesDo ponto de vista de Lula e de seu plano de governo, porém, uma boa relação com Lira (e Pacheco) vai depender de um reequilíbrio no papel do Executivo e do Legislativo, avalia Mário Braga, analista sênior da empresa de consultoria Control Risks.
“Desde que o próprio Lula deixou a presidência após seu segundo mandato, vemos uma contínua perda de relevância e prestígio do Poder Executivo e aumento da importância do Congresso, que se mostra, por exemplo, no controle das verbas federais via emendas impositivas e orçamento secreto”, avalia ele, em entrevista ao Metrópoles.
“E, pelo perfil do Lula e pela campanha que ele fez, não parece que ele vá ficar confortável. Imagino que ele vá tentar buscar de volta ao menos parte do protagonismo perdido”, complementa Braga, que acredita, no entanto, que o novo governo vá conseguir construir a sonhada base parlamentar, pelo menos num primeiro momento.
“Ainda não dá para cravar que a acomodação dos partidos do Centrão em cargos vá se traduzir automaticamente nos votos que o governo precisa, mas as condições para a governabilidade estão sendo criadas. Para o dia a dia, acredito que o governo não terá tantas dificuldades, mas votações de reformas e PECs, por exemplo, ainda vão demandar uma negociação intensa”, conclui o especialista.