Por óbvio, nesta semana eu devia dizer sobre maternidade, meu feminismo matricêntrico pedindo e tal. Tava tudo aqui no bestunto, já com a roupa de sair, só esperando eu sentar (mentira, deitar, gosto de escrever deitada) e botar tudo na tela, mas só que. Minha gente, a quantidade de mensagens, telefonemas e conversas longas sobre o artigo da semana passada (“Quem responde pelos eventos carnavalescos no MAM Bahia?”) não me deixa em paz.
De oficial, nada, evidentemente. Nem eu esperava, claro. Mas foram dezenas de papos que me fizeram entender, finalmente, porque é que aquele jogo Scotland Yard gosta tanto de ambientar crimes arrepiantes e tramas diabólicas entre museus e galerias de arte. De Londres, no caso de lá. Porém, daria pra ambientar uma versão lambuzada de dendê, facilmente, houvesse vontade. Que meio, senhoras e senhores. Que métier complicado. Até sete dias atrás, eu não sabia era de nada. Nunca me contaram ou até me disseram alguma coisa, mas na hora eu tava distraída, com meus bonsdriques, olhando a beleza dos moços, das esculturas e dos quadros.
Pensei em pegar todas as mensagens e juntar aqui do tipo denúncia organizada. Só que ia dar um trabalho danado e ficar sem graça. Um relatório? Tudo tem limite, eu tenho pressa e muita coisa me interessa, não dá pra parar num tema, não tenho como abrir uma investigação, e depois eu nem sou artista, que dirá plástica. De modo que vai só o que ficou na cabeça por me pasmar, mas desta vez (quase) ninguém me pediu sigilo, de forma que tenho como provar que não inventei nada. Tá tudo registrado, printado, certinho pro caso de precisar. A prosa é boa. Sente aí, pegue o café e acenda um cigarro, se for seu caso.
Pra começar, um dos meus interlocutores – talvez, o mais qualificado sobre o tema – me achou, nas redes sociais, para um longo desabafo. Pois ele me garante, entre outras coisas, que havia um oco sob o pátio do MAM Bahia. Que, há algumas décadas, foi feita uma obra, repondo material. Há DÉCADAS. Que, por causa disso, o número de pessoas, ali, tem que ser, no máximo, 1200 ao mesmo tempo. E não é pulando, né? Claro. Ainda sobre o chão, um outro leitor chama a atenção para o fato de que aquele calçamento é todo de pedras, boa parte com séculos de idade. E que, nos eventos, retirariam as pedras pra colocar estruturas. A qualidade do reparo, depois disso, é com Irineu: nem tu sabe, nem ele, nem eu.
Da Gamboa, vieram várias reclamações sobre o volume do som nos eventos. Tá, eu sei que na Bahia não existe essa educação de não incomodar os vizinhos, o que é um problema sério que nunca se resolve, mas o foco aqui é outro: o sítio histórico e as obras de arte. Tenho mensagens garantindo medição de decibéis e queixas na SUCOM e IPAC. Em duas dessas mensagens, as pessoas afirmam (e oferecem documentos, mas não vi) que foram registrados mais de 100 decibéis a mais de 250 metros do MAM, durante os eventos carnavalescos.
Aí é que tá. Aquele meu amigo recente, que falou do oco sob o pátio, também me disse que os decibéis, dentro do MAM, só poderiam chegar até 80, pela preservação da estrutura e das obras. Também que haveriam documentos afirmando isso direitinho, lá no próprio museu. E até é padrão em eventos, me disse outro amigo. Este, advogado. Ou seja, os tais laudos que a gente quer ver, parece que existem, há bastante tempo. Só não são mostráveis.
É brincadeira? Não. Não é. Tudo, estruturalmente, talvez seja tão grave que parece até supérfluo passarmos a discutir estética e linguagem. Acontece que não estamos falando de um hospital ou de uma borracharia, mas de um espaço no qual o objeto é, exatamente, cultura e arte. Ou seja, ainda que esses eventos coubessem naquela estrutura física, não teríamos que pensar na conceituação do espaço? Essa coisa simples sobre a qual se reflete até pra abrir uma loja de roupas, mas não parece ser importante, na Bahia, neste momento, quando se trata do Museu de Arte Moderna.
Muito sutil pra você? Resultado evidente da promiscuidade entre entretenimento, cultura e arte. Que cada coisa é uma coisa e não pensar sobre dá nessa decadência de cenário. Mas “não é só apenas isso”, repare. Ainda falta algum tempero pra completar o cenário Scotland Yard. Também chegou. Tô dizendo que minha semana foi do babado? Entre outras coisas, um amigo escreveu bem assim e só vou colar aqui: “…e muito roubo de arte. De livros raros, de selos. Não estou falando do MAM. Falo porque conheço pesquisadores que compram desse mercado ilegal, com medo que se destrua ainda mais”. No meio de um papo sobre a cidade.
A última, me sopraram na noite de quarta, mas é denúncia não assinada, então não posso provar que recebi. Suponhamos que seja ficção, portanto. Mas, veja que onda: comenta-se que há uma conspiração em curso, num certo círculo de amigos, para a venda de algumas obras que pertencem ao MAM. Entre elas, O Touro, de Tarsila do Amaral. Que história é essa? Quem são os personagens? Jogue os dados, chegue até o museu, passe pelo bar, não esqueça das docas, dê um tempo na charutaria, junte todas as pistas e mate a charada.
*Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo