InícioNotíciasPolítica“Mulher submissa”: entenda termo propagado por políticos e influencers

“Mulher submissa”: entenda termo propagado por políticos e influencers

Para a deputada estadual Mical Damasceno (PSD-MA), a sessão solene da Assembleia Legislativa do Maranhão em comemoração ao Dia da Família, programada para 15 de maio, não deveria ter presença feminina. Isso porque, na opinião dela, o plenário deveria estar cheio apenas de “macho”, “para mostrar à sociedade quem é o cabeça da família”. Na mesma reunião, a parlamentar afirmou que “a mulher tem que entender que ela deve submissão ao marido, doa a quem doer”. 

As falas da deputada geraram alvoroço. A Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Maranhão e até mesmo Gilberto Kassab, presidente do Partido Social Democrático (PSD), sigla da deputada estadual, se posicionaram contra as afirmações de Mical. “Traz uma visão retrógrada e superada, falsamente escorada na religiosidade cristã”, declarou o presidente por meio de nota publicada nas redes sociais.

Apesar do episódio que, desta vez, envolve Mical Damasceno, o termo “mulher submissa” é recorrente em discursos de políticos, influenciadores e famosos, inflamando o debate público entre mulheres que se consideram conservadoras e aquelas que se denominam progressistas. O Metrópoles conversou com representantes de ambos os grupos para entender o conceito.

Não castrar o homem Em março, a influenciadora Cíntia Chagas foi chamada para palestrar na Conferência Nacional da Mulher Advogada em Curitiba, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR). Com a confirmação da participação de Cíntia, uma série de coletivos e entidades ligadas ao tema de defesa das mulheres publicaram uma nota pública cobrando um posicionamento da OAB Nacional acerca da presença da influenciadora. O motivo: falas polêmicas sobre “submissão da mulher”. 

“A mulher precisa se submeter ao homem e, quando digo se submeter, me refiro a ação de deixar o homem ser homem, a ação de não castrar o homem e a ação de ser, sim, em vários momentos submissa”, disse Cíntia, em um podcast.

Mas foi apenas no dia do evento que o embate saiu dos textos publicados e se tornou audível: a influenciadora Cíntia Chagas foi vaiada ao final do discurso. Um grupo de advogadas ainda entoou um coro de “machista” contra a influencer. A advogada Marina Motta Benevides Gadelha publicou um vídeo, na época, criticando as falas de Cíntia Chagas. “Ela não representa a advocacia brasileira, definitivamente”, disse. O vídeo tem mais de 10 mil visualizações. 

Propagação de violência “A mulher submissa é a que se submete e se sujeita aos desígnios, às vontades e às ordens de um homem – normalmente do marido – numa relação de desigualdade. A mulher se encontra numa condição de inferioridade em relação a esse homem”, explica a advogada Marina Gadelha. Para ela, a ideia de submissão não é nova, mas o retorno da defesa desse conceito por políticos e influenciadores está atrelada à volta do conservadorismo e de uma interpretação desatualizada da Bíblia.

A advogada chama atenção para a propagação de violência e para a inconstitucionalidade dessas falas. “Quando o homem enxerga a mulher numa condição de submissão, ele a vê numa condição de objeto, numa relação de propriedade, de coisa. Ela não está sendo tratada como pessoa, como uma igual, que é e que deveria acontecer. Na cabeça infeliz e tacanha de quem assim pensa, ela pode, inclusive, ser punida. Ser punida fisicamente, ser agredida verbalmente, ser agredida psicologicamente. A ideia de submissão reforça esse lugar de violência”, diz Marina Gadelha.

Para a advogada, a fala da deputada estadual Mical Damasceno (PSD-MA) é “no mínimo, extremamente infeliz, além de ilegal e inconstitucional”.

“A nossa Constituição afirma que não existe diferença entre as mulheres e os homens em direitos e obrigações. Nós temos uma igualdade formal que precisa ser convertida numa igualdade material, ou seja, aquilo que a lei diz é preciso que seja praticado. Além disso, a fala demonstra uma ignorância absurda, porque ela é uma parlamentar, ela é uma cidadã que vota e foi votada. E ela só pode votar e ser votada graças à atuação ferrenha de mulheres que iniciaram o movimento sufragista, que permitiu que as mulheres no Brasil pudessem votar e serem votadas”, disse. “Se o que essa parlamentar prega acontecesse de verdade, ela não só perderia o cargo dela, como ela perderia o direito de ser votada, como ela perderia o direito de falar em público, de manifestar as suas ideias.”

Dócil e de boa vontade Para a autodeclarada “mulher submissa” Alanna Alves da Silva Ferreira, de 35 anos, o termo se refere a “ser dócil, “aceitar de boa vontade” e a “que serve sem opor resistência”.

“A mulher submissa é aquela amável, que se dispõe a [servir] outra pessoa e está sob a proteção dela”, explica. Ela afirma se considerar uma mulher submissa, porque escolheu se casar e estar em casa, servindo ao marido e aos filhos.

Para ela, esse conceito nunca morreu. Porém, ela reconhece que há um grupo que condena o conceito e  outro que o defende. “A submissão não é imposição, não é religião. É uma decisão livre de alguém que ama e é amado. As mulheres que realmente conhecem o sentido da submissão o defendem por saber o quão vantajoso é ser submissa a alguém. Ser cuidada, protegida e amada é algo que a maioria das pessoas querem, mas não sabem como viver”, diz.

Sobre a fala da deputada estadual Mical Damasceno (PSD-MA), Alanna considera “de extrema ignorância” a maneira como o conceito de “mulher submissa” foi colocado na sessão.

“A mulher não ‘tem que entender que ela deve submissão ao marido doa a quem doer’. A mulher se submete ao marido que a ama, respeita, cuida e protege. Como católica praticante e ainda vivendo esse Tempo Pascal, eu sei que Cristo morreu pela igreja. Se há alguém disposto a morrer por mim, sem dúvida vale a pena viver por ele”, finaliza.

Procuradas por Metrópoles, a assessoria da parlamentar Mical Damasceno não retornou o pedido de entrevista, e a influenciadora Cíntia Chagas, por meio de sua assessoria, disse estar afastada do trabalho por motivo de saúde.

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