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Nova crise no União Brasil mina formação da base de Lula e expõe dificuldades de articulação no Congresso

A pouco mais de 100 dias do início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Palácio do Planalto enfrenta um novo desafio para a construção de uma base sólida no Legislativo: o racha do União Brasil. O partido liderado por Luciano Bivar, e criado a partir da fusão do Democratas e do Partido Social Liberal, ameaça a ruir com o risco de debandada de deputados federais do Rio de Janeiro, em uma crise que pode respingar no Executivo. A situação ganha contornos ainda mais acentuados pelo imbróglio ser protagonizado por um membro do primeiro escalão da gestão Lula: a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil-RJ). Além da ministra, os deputados federais Chiquinho Brazão, Danielle Cunha, Juninho do Pneu, Ricardo David e Marcos Soares – todos do Rio de Janeiro – também apresentaram seus pedidos de desfiliação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O movimento coloca em risco, mais uma vez, o apoio da legenda ao governo federal, às vésperas de importantes votações, como o arcabouço fiscal, que será entregue ao Congresso na segunda-feira, 17.

O caso do Rio de Janeiro é o mais emblemático, mas crises semelhantes acontecem em Pernambuco, em Mato Grosso do Sul, no Amazonas e em São Paulo. Os conflitos são motivados por espaços nos governos estaduais e, sobretudo, pelo comando dos diretórios municipais e estaduais. Em Pernambuco, a eleição para a presidência do diretório estadual foi parar na Justiça. O grupo capitaneado pelo deputado federal Mendonça Filho alega existência de irregularidades na criação de diretórios municipais que teriam influenciado no resultado final da eleição. Procurado pela reportagem, Mendoncinha, como é conhecido, disse acionou a Justiça em razão do “desrespeito ao estatuto partidário”. “Isso ocorre quando você não é respeitado no seu espaço político. Quando o partido não resolve, acionamos a Justiça. Eles criaram comissões municipais de forma ilegal, à revelia do estatuto. Por isso a convenção foi anulada”, disse ao site da Jovem Pan. No caso fluminense, o grupo ligado a Bivar, egressos do PSL, é acusado de ter tentado tirar o prefeito de Belford Roxo, Waguinho, marido de Daniela, do cargo. Com o embate, o gestor municipal se filiou ao Republicanos, caminho que pode ser seguido por outros filiados – o obstáculo, neste caso, está nas regras para a desfiliação partidária. A menos que a Justiça Eleitoral reconheça a “justa causa” requerida pela ministra do Turismo, a auxiliar de Lula, deputada eleita, precisará esperar a janela partidária para deixar o União, que tem sido chamado de “Desunião Brasil” nos corredores do Congresso Nacional. Se trocar o partido sem a autorização do TSE, os parlamentares correm o risco de perder o mandato.

A possível saída de Daniela do Waguinho, no entanto, já causa dor de cabeça no Palácio do Planalto. Antes mesmo de um desfecho do caso, o presidente do União Brasil, Luciano Bivar, mandou um recado ao governo federal, deixando claro que não abrirá mão do comando do Ministério do Turismo. “A indicação dela no ministério é do União”, disse em entrevista ao jornal O Globo. “Ninguém tem livre trânsito partidário por simples desagrado com qualquer tema. Waguinho não é deputado, ele vai para onde quiser. Mas quem tem mandato precisa cumprir a lei. (…) A Executiva nacional investiu mais de R$ 60 milhões para eleger deputados no Rio. Mandato parlamentar não é uma coisa banal”, disse o cacique. O imbróglio envolvendo o partido não é novidade e impõe ao governo Lula 3 uma situação inusitada: a sigla que emplacou três nomes no primeiro escalão da administração pública se diz independente, vive permanente processo de crise e não garante que entregará votos ao Planalto em votações importantes.

Desde o início do governo, o União Brasil protagonizou diversos episódios polêmicos, que vão de denúncias envolvendo ministros de Lula a elaboração de um manifesto de parlamentares pregando a independência do Executivo. Apesar da repercussão do caso mais recente, o presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), rechaçou a possibilidade de uma reforma ministerial, após ser questionado sobre o caso de Daniela. Sem citar nomes, ele disse que a indicação para um ministério é “cargo de confiança” do presidente, reforçando um tom já abordado por Lula, que defendeu em diferentes ocasiões a continuidade de Carneiro na pasta do Turismo. Apesar das tentativas de se abafar os atritos, o cenário desagrada e atinge em cheio qualquer possibilidade de consolidação de uma base governista na Câmara – isso se reflete, inclusive, na dificuldade do governo em avançar com sua pauta no Legislativo. Ainda que articuladores políticos de Lula busquem se afastar das disputas internas e pregar um clima de aparente normalidade, o momento do partido é de instabilidades. “O cenário é de muita dificuldade para o governo. Hoje, o voto [do União] nem o líder controla mais. A situação é de muita divisão”, disse um membro da legenda à reportagem ao site da Jovem Pan.

Parlamentares ouvidos pela reportagem também afirmaram que a eventual desfiliação de Daniela e de outros correligionários complica o cenário pró-Executivo na Casa Baixa. “Se o partido perder deputados, cria-se um problema”, resume um líder. Em outro aspecto, a legenda também enfrenta disputas acirradas entre Luciano Bivar, Antonio Rueda e a antiga ala do DEM, o que prejudica a formação de um consenso e impõe que Lula e suas lideranças lancem mão de novas articulações para “abraçar” as diferenças da legenda, que cobra espaços nos segundo e terceiro escalões do governo. “O presidente não controla os deputados através da indicação de ministros. Já está comprovado que a formação de base não é através de ministérios. O parlamentar não quer saber de ministro”, afirma o deputado federal José Nelto (PP-GO). Segundo ele, o entendimento é que a formação de base envolve, especialmente, os compromissos políticos de cada congressistas com suas prioridades regionais, o que exige do Planalto negociações mais estratégicas. “No Congresso, cada deputado tem suas reivindicações. E isso envolve projetos de governo, emendas parlamentares”, completou Nelto.

Pensando em termos práticos, a racha do União Brasil pode custar ao Executivo boa parte dos 59 votos que o partido tem na Câmara. No Senado, o partido é representado por cinco parlamentares, entre eles o senador Sergio Moro (PR), mas na Casa Alta o Planalto vê uma situação “mais controlada”, ou seja, com um número confortável de votos. Na Casa comanda por Arthur Lira, por outro lado, qualquer voto perdido pode colocar em risco as principais pautas do primeiro ano de gestão, notadamente a reforma tributária e o arcabouço fiscal. “O governo patina ainda mais. Dá para perceber que o governo Lula, no aspecto de articulação política está totalmente perdido. Hoje, se colocar em votação uma lei ordinária, se for polêmico, não passa. Não acredito que em 2023 vai haver reforma tributária ou arcabouço. Podem até colocar para votação, mas não vai passar”, diz o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS), que vê no novo racha o União o “pior impacto” para a base governista. “Há uma insatisfação de muitos deputados. O racha está criado. O cenário é o retrato da incapacidade do governo na Câmara”, acrescenta.

Do ponto de vista político, a racha no União Brasil e as dificuldades de Lula com o partido representam desafios semelhantes do governo com o Congresso. O cientista político e coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, José Niemeyer, avalia que a legenda pode ser entendida como um teste. “O União Brasil é uma variável. É uma referência porque ele espelha um tipo de deputado muito comum no Congresso, que é um deputado de Centro. (…) É um laboratório para entendermos para onde vai a Câmara Federal nos próximos um, dois, três anos”, comenta. Ou seja, se o Planalto não consegue chegar a um acordo com um partido de 59 deputados e que carrega três ministérios, quem dirá encontrar maioria no quadro de 513 parlamentares, com oposição bem definida. Para o deputado José Nelto, o novo atrito do União e os efeitos para o Planalto mostram que Lula vai ter que “trabalhar muito” para ter uma base. “E nem digo sólida, uma base que dê sustentabilidade. O país continua dividido, a força de quem não votou em Lula continua muito forte nas redes sociais e isso só mostra a desarticulação do governo”, conclui.

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