Quis o destino, a conjunção dos planetas ou simplesmente o azar, que a comemoração do Bicentenário da Independência coincidisse com a campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, usurpador das cores nacionais. Além de roubar a maior data nacional, ele vai transformá-la em um mega-comício eleitoral pago com dinheiro público, algo nunca antes visto nos quase 133 anos de República.
Já utilizado pelo presidente para atacar as instituições, o 7 de Setembro de agora está sendo tratado pela campanha bolsonarista como definitivo para reverter a desvantagem em relação ao líder Luiz Inácio Lula da Silva. Os organizadores nem mesmo se deram ao trabalho de esconder o propósito eleitoral da festa. A convocação para ir “às ruas pela última vez” foi feita durante a convenção de lançamento oficial da candidatura, em julho, na qual Bolsonaro renovou ameaças golpistas contra “os poucos surdos de capa-preta”, em referência aos integrantes do STF. De lá para cá, incrementou-se o mix proposital entre o oficial e o eleitoral, com idas e vindas das Forças Armadas quanto ao modelito das comemorações.
Promete-se um Bolsonaro comportado. Ele evitaria discursos agressivos como os do ano passado, quando afirmou que não cumpriria decisões judiciais, disparando todo tipo de petardo contra o Supremo e seus ministros, em especial ao “canalha” Alexandre de Moraes. A ver.
O comedimento pode até prevalecer pela necessidade de arregimentar eleitores, boa parte crítica ao estilo belicoso do presidente.
No Rio, onde fez sua bem sucedida carreira política, Bolsonaro obteve 58,2% dos votos no primeiro turno de 2018, vencendo em todos os municípios do Estado, só em 10 deles com menos de 50%. Agora, está suando litros para tentar reduzir a diferença de seis pontos percentuais que o separam de Lula. Entre os fluminenses, Lula tem 41% das intenções de voto versus 35%, segundo o último Datafolha.
A comemoração oficial-eleitoral na deslumbrante Copacabana, cartão-postal do Brasil, pode ajudá-lo também em outras praças. As imagens do 7 de Setembro afanado serão insistentemente exibidas – não como uma festa do Brasil, mas de apoio ao presidente. Bolsonaristas ou não, os brasileiros na praia e as famílias que levarem seus filhos para ver o desfile de navios de guerra e os aviões soltando fumaça nos céus serão incluídos nas cenas.
Em São Paulo, onde Bolsonaro não pretende pisar neste 7 de Setembro depois dos tiros no pé de 2021, as manifestações de seus apoiadores devem ocorrer de forma mais branda. Mas, para evitar qualquer hipótese de confronto, o governador Rodrigo Garcia (PSDB), também candidato à reeleição, antecipou para o dia 6 a reinauguração do Museu da Independência, no Ipiranga.
Maior colégio eleitoral do país, com 34,6 milhões de votantes, São Paulo é tido como antipetista por natureza – uma balela que não resiste à história concreta determinada pelas mais de duas décadas de polarização com os tucanos. No estado, Bolsonaro vem conseguindo tirar pontos de Lula. Em duas semanas a diferença entre os dois caiu de 13 para 5 pontos percentuais. Isso se explica menos pelo crescimento dos candidatos Ciro e Simone, mas sim pela opção do candidato ao governo Fernando Haddad de centrar fogo no adversário Rodrigo e poupar o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas, com quem o petista prefere disputar o segundo turno. Com isso, Bolsonaro surfa.
À exceção do Nordeste, onde continua com uma frente avassaladora da preferência, Lula perdeu pontos, ainda que na margem de erro, em todas as regiões do país. De acordo com o Datafolha, ainda sustenta confortáveis 13 pontos de vantagem sobre Bolsonaro, um presidente rejeitado por 52%. Leva no segundo turno, mas não soma pontos para vencer em primeiro, algo que só entre os fundamentalistas do PT esteve próximo de ocorrer.
O turno único sempre foi ilusão. Lula chegou a 53% dos votos válidos há dois meses, muito antes da campanha televisiva, das sabatinas e dos debates. Sabia-se que ele iria amargar perdas, que os 3 pontinhos eram uma margem estreita demais para cantar de galo. Nesta altura, o PT já deveria estar convencido de que a pregação do voto útil, em vez de atrair eleitores, dissemina antipatias. Do contrário, corre o risco de fazer parecer uma quase derrota a vitória praticamente certa que terá na primeira fase.
Para o 7 de Setembro, a instrução da campanha lulista é para que os apoiadores do ex-presidente evitem provocações. É quase um fique em casa.
Nas ruas, o aparato de segurança jamais visto, tanto em Brasília como no Rio, escancara os riscos da festa eleitoral de Bolsonaro.
Nas urnas, os brasileiros terão a chance de reagir ao golpe do surrupio de sua data nacional, de sua bandeira e de suas cores. Uma parada que, ufa!, o país vai resolver antes da Copa do Mundo do Catar.
Mary Zaidan é jornalista
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