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O resgate do que temos de melhor

Tem circulado nas redes sociais um poema de Vinicius de Moraes que eu não conhecia, chamado Amigo Di Cavalcanti. Ele voltou à tona depois dos estragos causados ao quadro As Mulatas, de autoria do próprio Di, durante o ataque terrorista ocorrido em Brasília no último dia 8. São versos duros, que prenunciam, com décadas de antecedência, o mais grave atentado à democracia brasileira desde o golpe de 1964.

Assim Vinicius inicia o longo poema: “Amigo Di Cavalcanti /A hora é grave e inconstante. /Tudo aquilo que prezamos /O povo, a arte, a cultura /Vemos sendo desfigurado /Pelos homens do passado /Que por terror ao futuro /Optaram pela tortura. /Poeta Di Cavalcanti /Nossas coisas bem-amadas /Neste mesmo exato instante /Estão sendo desfiguradas.”

Vinicius usa duas vezes o verbo “desfigurar”. Teria adivinhado a triste sina do grandioso quadro do amigo? Rasgada em sete pontos diferentes, a obra teve três das quatro mulatas retratadas por Di “esfaqueadas” por um dos tantos dementes que invadiram o Palácio do Planalto. Uma sanha destrutiva só encontrada em invasões bárbaras típicas de guerra. Estamos falando de um patrimônio cultural avaliado em R$ 8 milhões, que adornava o Salão Nobre do edifício.

Não foi o único. Entre outras obras, as esculturas O Flautista, de Bruno Giorgi, Bailarina, de Victor Brecheret, e Galhos e Sombras, de Frans Krajcberg, também foram total ou parcialmente destruídas. Imagino o horror que Krajcberg sentiria ao ver seu trabalho em pedaços. Logo ele, que lutou tanto pela permanência da sua arte tão delicada e vulnerável, feita de galhos de madeira calcinada. Logo ele, nascido na Polônia, que viu do quintal de casa o horror da Segunda Guerra se avizinhar e por fim se estabelecer.

O horror, o horror. Também na Alemanha Nazista a arte não era benquista. A tal “arte degenerada”, que representava o que de melhor a civilização produzira até então, se viu alvo de ataques brutais. Livros queimados, obras retiradas de museus, artistas perseguidos e alguns assassinados. Entre os tais “degenerados”, despontavam nomes como Pablo Picasso, Marc Chagall, Paul Gauguin, Piet Mondrian, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Thomas Mann, Bertolt Brecht e Stefan Zweig. Quase um compêndio contendo a quintessência da cultura europeia do século 20.

Os alemães ao menos sabiam quem eram os seus inimigos, se é que se pode usar esse termo. No caso da horda que invadiu os palácios em Brasília como uma manada de bois furiosos, o mais provável é que não eles façam a menor ideia de quem foram Di Cavalcanti ou Frans Krajcberg. Impressiona o grau de idiotia coletiva, a delinquência festiva com direito a cenas escatológicas, hidrofóbicas ou meramente patéticas. Em alguns momentos, me senti como se estivesse diante daqueles trash movies que assistia no videocassete quando adolescente, com zumbis à solta vestidos de amarelo. Olhos vidrados, bocas espumando.

Guardadas as proporções, não há muita diferença entre a destruição causada em Brasília pela turba de terroristas “patrióticos” e a devastação promovida em Palmira pelos terroristas do Estado Islâmico. São, ambas, demonstrações de ódio ao que nós, humanos, produzimos de mais belo. São, ambas, uma forma de recusa ao processo civilizacional que nos permitiu constituir estados democráticos de direito. Não deixa de ser sintomático que o caos em Brasília tenha ocorrido uma semana após a realização de uma cerimônia que pregava justamente o contrário: inclusão, dignidade, tolerância e alegria.

Quem sabe um dia, por mais improvável que seja, conseguiremos resgatar em parte aquilo que fomos. Ódios aplacados, temores abrandados, como no antigo sucesso de Guilherme Arantes.

Afinal, já basta desses embusteiros que aí estão atravancando o nosso caminho. Foram quatro anos de desdita, que venha agora a normalidade. E que tudo aquilo que prezamos – o povo, a arte, a cultura, como no poema de Vinicius – volte a ser verdadeiramente nosso.

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