Contrariando muitas previsões, pesquisas e análises prévias de que a corrida presidencial nos Estados Unidos seria extremamente acirrada, a vitória ampla de Donald Trump revelou inúmeras novidades no perfil do eleitor estado-unidense e evidenciou que o próximo ciclo eleitoral será extremamente desafiador para o partido democrata. Para início de conversa, é importante salientar que de acordo com as projeções atuais Donald Trump já garantiu 5 dos 7 Estados pêndulos para sua conta, mas com a grande chance de conquistar todos eles, à medida que Arizona e Nevada concluem suas contagens. Essa mudança de cor impressionante nos estados da famosa blue wall, a muralha azul democrata, na Pensilvânia, em Michigan e em Wisconsin revela que uma parte do eleitorado, outrora, solidamente democrata, tem cada vez mais se tornado conservadora, ou pelo menos, cansada com a forma democrata de se fazer política.
Para termos a dimensão da vitória de Donald Trump precisamos primeiramente compreender o que levou a robusta classe média americana a mudar de voto em muitos centros urbanos e subúrbios do país. Apesar de dados econômicos satisfatórios durante o governo Biden, onde o PIB cresceu de maneira consistente e o desemprego caiu de forma constante, a inflação de alimentos reduziu o número de itens nos carrinhos de supermercado da classe trabalhadora, a alta no combustível reduziu a mobilidade das famílias e o preço exorbitante dos aluguéis relegou a parte mais pobre da sociedade a viver nas ruas de grandes cidades. Estatísticas positivas se mostraram contrastantes à realidade da vasta classe média do país que viu seu poder de compra corroído durante os últimos 3 anos e meio e sentiu saudades de épocas de vacas mais gordas.
Outra questão igualmente relevante durante a campanha e que empurrou fatia significativa do eleitorado para o lado republicano foi a imigração ilegal, que sob Joe Biden bateu recordes assustadores com mais de dois milhões de imigrantes ilegais cruzando todos os anos as fronteiras dos Estados Unidos. Ao prometer uma política de controle fronteiriço mais rígida, Donald Trump atraiu parcela importante do eleitorado de médias e grandes cidades para o lado republicano. Por fim, vemos que as pautas identitárias trazidas de maneira repetitiva e cada vez mais frequente pelos democratas, deixaram parcela considerável de eleitores de centro completamente exaustos de ver questões tão pequenas no cenário nacional, consumindo tanta energia, recursos e tempo dos incumbentes democratas.
Ao se colocar como a única opção anti-woke, Trump mais uma vez consegue captar uma parcela muito relevante de votantes para o seu tíquete. O mais interessante, e talvez mais importante exercício de análise eleitoral nesse momento, seja compreender como Trump construiu uma vitória tão robusta em estados tão heterogêneos. O que o mapa azul e vermelho em cada um de seus condados, em cada um de seus Estados nos mostra é que Trump ampliou sua base onde já era forte e diminuiu a vantagem para seus oponentes onde era fraco. A América dos brancos, cristãos, vivendo em zonas rurais é o segmento demográfico mais fiel ao republicano.
Em condados onde a sua presença e sua vantagem já eram muito sólidas, como no interior da Geórgia e da Pensilvânia, Trump conseguiu ampliar ainda mais sua margem em relação ao que já tinha em 2016 e 2020 e em uma eleição decidida por dezenas de milhares de votos, esse aumento foi fundamental. Não bastando isso, nas grandes áreas urbanas, em uma América multiétnica e multirreligiosa, Donald Trump conseguiu com maestria diminuir a distância que o separava dos democratas. Ainda perdeu por lá, mas a margem de sua derrota foi muito menor que em anos anteriores, o que novamente, em uma eleição em estados pêndulo, se mostrou crucial em sua vitória.
Uma grande lição que podemos tirar olhando os números, é que mais nenhum corte demográfico pode ser considerado um monolito por qualquer um dos partidos. Historicamente a população negra, latina, hispânica, votou em peso para os democratas e foi fundamental nas vitórias de Clinton, Obama e Biden, mas hoje, esses grupos, outrora homogêneos em seu comportamento, votam cada vez mais de uma forma individual, pensando mais em suas próprias realidades e comunidades, do que na sua etnia como um todo. Trump teve aumentos expressivos dentro do voto negro, do voto latino e hispânico e também do voto feminino nessas eleições. Esses dados inesperados por muitos, acenderam uma luz vermelha cintilante no partido democrata, que após décadas se dizendo o partido das minorias étnicas e das mulheres, se vê perdendo espaço para o trumpismo e os republicanos de maneira geral nesses segmentos da sociedade.
A vitória bem construída do futuro presidente dos Estados Unidos ainda veio com uma cereja no topo deste bolo comemorativo: levar o controle legislativo de ambas as câmaras para os dois primeiros anos de seu governo. A maneira entusiasmante que o eleitorado republicano compareceu às urnas nas últimas semanas também fez um senado democrata se tornar republicano com uma vantagem de pelo menos 4 dentre os 100 senadores, além da possibilidade da manutenção do congresso em mãos republicanas por uma margem parecida com a que têm hoje. Tal composição garantirá a aprovação de muitas legislações específicas encabeçadas por Trump e dará uma grande governança ao presidente pela primeira vez, já que em seu primeiro mandato lidou com um congresso democrata forte sob controle de Nancy Pelosi em seus últimos 2 anos.
As interpretações, perspectivas, suposições sobre esse novo governo Trump começarão a se formar a partir de agora, à medida que ministros e secretários forem anunciados e a transição for encaminhada pelos próximos 2 meses. Os impactos geopolíticos no leste europeu, Oriente Médio e no extremo oriente serão também dos mais variados possíveis e merecerão toda a nossa atenção. Contudo, enquanto ainda pouco se sabe e muito se especula, podemos apenas dizer que o retorno histórico do 45º presidente norte-americano para ocupar o posto do 47º presidente, foi sem sombra de dúvidas, triunfante.