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O São João deu muito errado

Pode ter sido uma delícia, você pode ter beijado bastante e olhado pro céu, meu amor. Os shows podem ter bombado, as prefeituras podem estar felizes, os hotéis e pousadas podem estar pulando de alegria, os empresários do setor podem estar em orgasmos e você pode até estar saudável, mas o São João deu muito errado. Evidentemente que sim e todos sabem disso. Ou, então, eu sou a única criatura que ainda tá observando a covid. Evidentemente, o aumento do número de casos precede os festejos juninos, por causa das sub-variantes que passaram a circular na Bahia. Porém, ah, porém. Quem viu o São João (eu vi) já sabia a bomba que viria pela frente. Foi surto coletivo de repercussão gravíssima, e não haveria outro jeito de pensar sobre isso, ainda o que a doença em questão fosse, por exemplo, sarna, que é facinha de tratar e não mata ninguém. Pelo número de contaminados, seria um escândalo da mesma maneira. Mundial. E a verdade é que é covid, por mais que tenha gente chamando de “gripe” a até de “alergia”. Me deixe.

Cancelei viagem, fiquei onde moro, sem avião, ônibus nem van em minha vida. Mas fui ao forró, fui ao show, fui olhar as espadas. De longe e de máscara (N95) que até tirei pra um gole ou outro, mas nunca em aglomeração e sempre ao ar livre. Praticamente, uma extraterrestre se divertindo numa festa estranha com gente esquisita. Foi preciso mesmo gostar de ser diferentona pra sustentar esse item “arcaico”, entre risinhos, olhares tortos, comentários de que “a covid tá fraca” e “você precisa relaxar”. Ah, tá. Respondi, algumas vezes, “sou neurótica mesmo”, pra não perder meu tempo. Todo mundo relaxou bastante. Eu vi o relaxamento. Presencialmente e em todas as redes socais. Não deu outra: mesmo antes do São Pedro, a “tosse de cachorro” já se ouvia em cada esquina e, agora, os números estão aí pra provar que multidões continuam inviáveis. Não sabemos até quando e não adianta estrebuchar.

A não ser que se reinvente o conceito de viabilidade (atualmente, não duvido mais de nada), o São João – em todas as cidades, em festas abertas ou fechadas – foi uma experiência que não deve ser repetida enquanto houver pandemia. Pra concluir isso, basta ter um pouquinho de juízo. Está aí a curva de infectados e mortos vertiginosamente ascendente. No prazo certinho. Só, por exemplo, na pequena cidade onde estou, em menos de um mês, passamos de zero a 146 casos ativos, apenas entre os registrados. Corrigir a indiscutível subnotificação, como sabemos, é colocar um zero à direita. No meu caso, aqui, isso significa projetar 1460 casos ativos de covid, num universo de 30 mil habitantes. E subindo. Independente de você ter medo ou não de pegar, de achar que “tá leve” ou não tá, essa é uma questão seríssima de saúde pública. Não tem a ver com o que você sente ou com o que eu acho. É um fato: a pandemia está descontrolada. Outra vez.

A não ser que seu nível de negação seja daqueles inegociáveis, você sabe que essa doença está longe de ser previsível e estar dominada. Toda hora se descobre uma sequela, um problema novo que ela pode causar. É sempre um frio na barriga, exatamente, pelo que não se sabe. Um aumento de casos como o que vivemos, hoje, é o ambiente perfeito para que surjam novas variantes. O que vem daí, ninguém pode prever. Mais transmissibilidade? Mais letalidade? Menos? Não há (nem tente, não há) quem possa adivinhar. Daí, comparando nosso “relaxamento” com a (insustentável, claro) política de “covid zero” na China, fico me perguntando “o que eles sabem que eu não sei?”. Não dá mais pra trancar todo mundo em casa, claro. Mas provocar multidões, neste momento, tem algo de racional? Não há algo entre o 8 e o 80 que possa ser considerado? 

Tô nem aí se o Carnaval vai ser na Boca do Rio ou na Barra. Discussão secundária, localizada. Talvez, pueril. Eu quero saber é quando chegam as vacinas específicas para as novas cepas e quando é que estaremos correndo, pelo menos, lado a lado com o vírus. Eu tô interessada é em antivirais que funcionem para que se possa garantir o “tá fraca” a todas as pessoas. Eu quero saber o que a China sabe, o que motiva o terror e pânico que eles têm do mesmo vírus que é tratado como bobagem no Brasil. Sobretudo, se não fosse pedir muito, eu queria entender a cabeça de quem acha que o São João foi sucesso de público e crítica. Temos, mesmo, algo a comemorar? Eu não vi ainda.

Agora, vou arrumar o jardim pra receber um amigo. Ele com o vinho dele, eu com o meu. Ao ar livre e com distanciamento. Até aqui, desse jeitinho, vou driblando a covid. Com outras medidas, também o HIV, a sífilis, a varíola do macaco, o piolho, a depressão, a síndrome do pânico, a frieira, a micose de unha, a candidíase, a tuberculose, a tristeza, o desamor, a irresponsabilidade, a ignorância e mais uma cacetada de coisa ruim que tem por aí. Pulsão de vida é, também, se proteger providenciando certos comportamentos. Individuais e coletivos. Mas, primeiro, tem que assumir que o problema existe. Neste momento, multidões são impensáveis. Tô fora de qualquer uma, por mais “linda e festiva”. Com esse aumento de casos, também fora de programas que eu tinha voltado a fazer, tipo teatro, show, restaurante e barzinho. Pelo retrocesso, parabéns aos envolvidos. Cês tão “sertinhos”.

*Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo

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