Servidores do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB) enfrentam, diariamente, uma situação de crise, na equipe da Unidade de Laboratório de Anatomia Patológica (UAPAT). Mais de 450 exames estão parados há meses, em vez de serem entregues a pacientes oncológicos. A justificativa seria a quantidade insuficiente de médicos no setor.
A realidade na unidade chama a atenção para um hospital que é credenciado junto ao Ministério da Saúde como de alta complexidade para tratamento de diversos tipos de cânceres.
A anatomia patológica consiste na análise de órgãos, tecidos e células, desempenhando um papel crucial no diagnóstico, tratamento, prognóstico e prevenção de doenças, incluindo o câncer. Após a coleta, como uma biópsia, por exemplo, o material é encaminhado à UAPAT do HUB, onde é examinado por um médico patologista.
No entanto, de acordo com servidores ouvidos pela reportagem, a demora para liberação dos exames tem sido maior que três meses, o que está em desacordo com o que prevê a legislação. A Lei Nº 13.896, de outubro de 2019, garante aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), com suspeita de câncer, o direito a biópsia no prazo máximo de 30 dias, contados a partir do pedido médico.
A crise diante dos atrasos para liberação dos laudos preocupa a equipe que trabalha no setor, visto que é por meio do exame imuno-histoquímico que o médico oncologista determinará, conforme protocolos científicos, qual o tipo de tratamento mais adequado a ser utilizado para o paciente com diagnóstico de câncer.
“Sem os resultados dos exames anatomopatológicos e imuno-histoquímicos, que confirmam o diagnóstico de câncer, o paciente acaba sendo prejudicado, retardando ainda mais o combate contra o câncer frente à demora para dar início ao tratamento oncológico. Diversos pacientes estão morrendo, à míngua, sem chance alguma de receber ao menos um tratamento digno contra o câncer. Simplesmente porque o resultado dos exames, com atraso de liberação superior a três meses – quando liberados – já ocorre tardiamente”, explicou uma fonte do HUB ouvida pelo Metrópoles.
Déficit de médicos Segundo a equipe, o atraso para liberação do resultado dos exames é reflexo do déficit de médicos patologistas na unidade, que são os responsáveis por produzir os laudos. Atualmente, o setor conta apenas com seis especialistas na área, quantidade insuficiente para manutenção das atividades médicas previstas para o setor.
Dos médicos lotados na unidade, quatro são contratados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e dois são vinculados à Fundação Universidade de Brasília (FUB). No entanto, atualmente apenas quatro estão trabalhando, visto que um entrou de férias e outro está de atestado.
Em abril deste ano, a EBSERH, responsável pela gestão do hospital universitário, realizou a primeira convocação de profissionais do concurso público mais recente, contratando apenas uma médica patologista.
Entretanto, após ocupar o cargo por dois meses, ela solicitou exoneração. Desde então, não houve novas contratações de médicos para a unidade. No certame, foram aprovados 16 médicos da especialidade para cadastro reserva.
Em despacho assinado pela chefe interina da UAPAT, em maio deste ano, a responsável solicitou a reposição de cinco médicos patologistas, em caráter de urgência, tendo em vista a existência de concurso público para provimento de cargos pela EBSERH, devidamente homologado e com cadastro reserva para a especialidade.
“Diariamente entram novos exames no setor, e a prioridade são os mais antigos. Somente o HUB faz exames de imuno-histoquímica para toda rede pública do Distrito Federal. Muitas vezes, quando o médico faz uma biópsia de mama, por exemplo, aconselha a paciente a fazer no particular, por conta da demora. Um exame que custa em torno de R$ 2 mil”, detalha um servidor que prefere não se identificar.
Greve da FUB Em outro documento no qual a reportagem teve acesso, datado de junho deste ano, a chefe interina justifica que houve uma redução da força de trabalho da UAPAT em razão da greve do servidores da FUB que teria impactado na liberação dos exames.
“A redução da força de trabalho da UAPAT devido à greve dos servidores FUB tem impactado diretamente nos exames da unidade. Há servidores parados nos setores de Necrópsia, Histotécnica, Arquivo e Administrativo, fazendo com que, em média, 450 amostras estejam retidas”, informou a chefe interina no documento.
No entanto, de acordo com os servidores, a crise no setor não se deu em virtude da paralisação desses servidores, porque os médicos da FUB que produzem os laudos não entraram em greve.
“Desde janeiro temos lidado com a demanda de exames reprimidos, por conta da exoneração de quatro patologistas somente em 2023. Temos exames aguardando laudo desde o ano passado no setor. A greve não impactou o serviço”, defendeu-se o servidor.
Ainda, segundo os colaboradores, em março deste ano, antes da greve dos servidores técnico-administrativos da UnB, uma médica patologista havia solicitado aderir ao serviço voluntário para atuar na UAPAT. Porém, a chefe interina teria informado por meio de despacho que os processos de solicitação para serviço voluntário só poderiam ser avaliados após a recomposição, “a fim de dimensionar a equipe, espaço físico e estações de trabalho necessárias”.
“É inadmissível que pacientes com diagnóstico confirmado de câncer, que dependem exclusivamente do SUS para realizar tratamento contra essa doença, que é quase uma sentença de morte, sejam ainda mais negligenciados com o total descaso do poder público frente à situação absurda pela qual a Unidade de Anatomia Patológica do HUB tem passado”, manifestou um colaborador.
Edital para contratação de chefe No início do mês, o HUB publicou um processo seletivo para chefe da Unidade de Anatomia Patológica. Segundo os profissionais, pela primeira vez está sendo realizado um processo seletivo interno para eleger uma nova chefia da UAPAT.
O processo foi conquistado por meio de acordo coletivo junto ao sindicato da categoria, com o objetivo de garantir mais transparência na seleção dos chefes.
No entanto, os servidores têm se questionado quanto à tramitação do processo seletivo, visto que ele não teria sido amplamente divulgado, além de que os requisitos do edital não se enquadram com a função de chefia dentro da unidade.
Entre as exigências para assumir a vaga estão: participação em disciplina sobre docência em ciências e tecnologias em saúde, e/ou em capacitações nas áreas de epidemiologia e bioestatística. Além disso, o edital também requer formação em processo saúde/doença na perspectiva patógeno x hospedeiro.
“Não tem nada de anatomia patológica nesse edital do HUB, que é a essência do cargo. Quando comparamos com o edital do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, para o mesmo cargo, vimos que as exigências não são as mesmas, não tem esse viés. Nossa equipe está bastante abalada quanto a isso. Esse edital praticamente não teve publicidade para os médicos do setor também.”, relatou o profissional.
Segundo eles, apesar de a vaga ser historicamente ocupada por médicos, este também não é um dos requisitos no processo seletivo. “A gente acredita que o edital foi fraudado para favorecer algum profissional, tendo em vista os requisitos exigidos”, alegam.
O que diz o HUB Procurado pela reportagem, o HUB disse, por meio de nota, que já tomou medidas para que a produção de laudos, que foi impactada por situações temporárias, retome a normalidade.
A entidade cita a greve de servidores técnico-administrativos da UnB, de 11 de março a 1º de julho, como uma das justificativas para o acúmulo de exames que necessitam ser laudados na Unidade de Anatomia Patológica. “Com o fim da greve e o retorno dos servidores citados, os fluxos foram retomados”, disse.
O HUB alega, ainda, que houve saída recente de alguns profissionais por razões diversas, como transferências, aposentadoria, licenças e contratos temporários. “A reposição já está em andamento via convocação em concurso público vigente”, diz a nota.
“Sobre o processo seletivo, o edital 05/2024 foi publicado em Boletim de Serviço do HUB no dia 01/07/2024 e amplamente divulgado nos canais institucionais, inclusive por e-mail enviado pela Ebserh para todos os colaboradores do país. Os critérios estabelecidos em edital têm relação com o cargo pretendido e foram definidos entre profissionais da Divisão de Gestão de Pessoas e pela chefia superior do cargo”, finalizou a entidade.