Carnaval agora só em 2024, mas os foliões ainda guardam lembranças da festa. Uma delas, inclusive, é velha conhecida: a virose pós-folia. Na Bahia, 88 pessoas foram registradas com Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) entre os dias 12 e 23 de fevereiro, segundo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab). Mas, apesar dos números oficiais, é esperado que haja muito mais pessoas com sintomas gripais. Só em Salvador, o atendimento a pacientes com sintomas de virose nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) somam 75% das ocorrências.
Entre os casos informados pela Sesab, foram contabilizadas cinco pessoas acometidas pelo vírus Influenza (causador da gripe), duas por covid-19, 23 por SRAG não especificada, 10 por outros vírus respiratórios e 48 em situação de investigação. Contudo, para os integrantes do Unidos da Gripe Pós-Carnaval, bloco fictício forjado de brincadeira nas redes sociais pelos acometidos por sintomas gripais, há outros nomes para os vírus causadores de tosse, dor de garganta e febre nesta época.
“Zona de Perigo! Dessa vez, vai fazer valer o nome”, deu ênfase o frentista Thiago Eduardo de Souza, 29 anos, que pulou três dias de Carnaval no Nordeste de Amaralina e desde a segunda-feira (21) viu sinais de que tinha contraído a virose. Para ele, a doença leva o nome da música de Leo Santana, já que ‘viralizou’ na boca do povo.
Para o estudante Gabriel Valadares, 21, o nome da sua virose faz homenagem a ‘Deixa eu botar meu boneco’, de Oh Polêmico. “Peguei a virose do Boneco. Estou 100% fechado com Polly. Curti quatro dias de Carnaval e comecei a sentir um pouco de diarreia na quarta [de Cinzas], mas achei que fosse pela alimentação e bebedeira. Mas o quadro persistiu, hoje acordei pior. Só que valeu a pena, afinal, foram dois anos sem Carnaval”, ressaltou.
Já é tradição de outros carnavais que as músicas mais tocadas na festa dêem nome às viroses de fevereiro. Um costume baiano que ‘homenageou’ no espírito da zoeira artistas como Ivete Sangalo com ‘Cadê Dalila’, em 2009, Filhos de Jorge com ‘Ziguiriguidum’, em 2013, e, mais recentemente, Parangolé com ‘Abaixa Que é Tiro’, em 2019.
Neste ano, não há unanimidade entre as músicas. A prova disso é a mistura de títulos musicais utilizados pela comunicóloga Isabela Aguiar, 32, ao definir a dor de garganta, tosse e coriza depois de quatro dias pulados no Carnaval, com direito a chuva, além de farra no Carmo e no Furdunço. “Eu chamo de virose do Boneco do cachorro da Carol criado por Ivete na Zona de Perigo. Não gosto de nenhum nome isolado para a virose, como aconteceu em outros anos. De forma geral, acho que fomos todos para a zona de perigo e lá Boneco pegou Carol, que pegou as crias da Ivete, que já tinham metido o louco e o Cachorro”, brincou.
A campeã do Troféu CORREIO Folia 2023, ‘Carol’, de Escandurras, foi o nome escolhido pela estudante de Direito Isa Magalhães, 22, que curtiu um dia de Carnaval no Santo Antônio Além do Carmo pela primeira vez com o namorado e passou os outros dias de farra em casa, acometida pela virose. “Ela veio do nada, sem aviso e ganhou como virose do Carnaval, que nem a música ‘Carol”, também brincou.
Nas redes sociais e na rua, no entanto, há uma maioria convicta de que apenas ‘Zona de Perigo’ é a melhor alternativa para dar nome às gripes e resfriados surgidos nos últimos dias, assim como acredita o frentista Thiago, que viu a zona de perigo de perto na UPA dos Barris, na tarde da última quinta-feira (23), quando esperava para ser atendido em uma recepção lotada de homens, mulheres e crianças que já estavam há mais de seis horas na fila. Grande parte daquelas pessoas reclamavam de dor de cabeça, dor no corpo e tosse, assim como o frentista.
“Eu fiquei com o nariz um pouco entupido e a garganta doendo. Nessa madrugada, eu tive uma crise de febre e toda vez que fico assim acabo delirando. Fui trabalhar e senti meus olhos doendo muito, uma dor de cabeça insuportável, parecendo que um caminhão passou por cima de mim”, relatou Thiago, que acabou desistindo de aguardar pelo atendimento nos Barris para buscar uma UPA menos lotada.
Na UPA de São Cristóvão, mais da metade dos pacientes que lá estavam tinham queixas de sintomas gripais, conforme apontou um dos recepcionistas. Mesmo sem estar lotado, o local tinha pacientes em estados delicados, como o garçom Leonardo Teixeira, 31, que já estava com falta de ar há dias. “Desde o primeiro dia de Carnaval já senti falta de ar, dor de cabeça, dor na nuca, febre e rouquidão. Achei que era só gripe, tomei remédio e fiquei em casa. Hoje vim para a UPA porque não estou mais aguentando”, disse.
O garçom Leonardo Teixeira disse que sua virose tinha nome de “alguma música de Bell Marques”, de quem é fã (Foto: Larissa Almeida/CORREIO) |
A engenheira civil Fernanda Leite, 29, aproveitou só um dia de folia e já foi vítima da zona de perigo. “Percebi os sintomas quinta pela tarde, fiquei com o corpo mole, garganta apresentando sinais de inflamação. Hoje já fiquei com o nariz corizando, febre, garganta ainda mais inflamada e corpo mais indisposto”, descreveu.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS), até o momento não foi registrado aumento de casos relacionados às síndromes respiratórias após o Carnaval, não sendo possível, portanto, afirmar que está havendo uma “onda de virose” na cidade. Ainda assim, o órgão lembrou que, historicamente, o surgimento e aumento desses casos é possível.
Quanto ao levantamento de registro de casos das síndromes respiratórias durante e após o período carnavalesco, solicitado pelo CORREIO ao órgão municipal, a SMS não pôde informar os números devido a uma queda de energia no prédio da Diretoria de Vigilância à Saúde (DVIS), que armazena os dados de saúde da capital.
Transmissão
De acordo com a infectologista Fernanda Grassi, as viroses pós-Carnaval ocorrem por diversos fatores, sendo um dos principais a aglomeração. “Tem muitos turistas que vêm de fora do país, pessoas de outras regiões que se juntam e isso favorece a disseminação de vírus ou mesmo de bactérias transmissíveis por vias respiratórias”, explica.
Além disso, a alimentação na rua, no calor e sem higienizar as mãos torna possível a proliferação de bactérias, que podem ocasionar viroses gastrointestinais. O longo tempo fora de casa sem se alimentar adequadamente e com pouca hidratação também diminuem a resistência do corpo, baixando a imunidade e deixando as pessoas mais suscetíveis às síndromes respiratórias.
Segundo a especialista, os dois tipos de virose, tanto a respiratória como a gastrointestinal, são comuns nessa época. “As viroses respiratórias tem como sintomas a dor de garganta, tosse, espirro, rouquidão e pode ter febre. Se for virose intestinal, os sintomas são diarreia, dor abdominal e cólica. Vai depender de que tipo de vírus foi contraído”, esclarece.
Para os dois casos, não há prevenção, mas é recomendado manter uma boa higiene e se alimentar corretamente, além de estar em dia com a vacinação contra a covid-19 e a gripe. Com 393 casos ativos, 1.265 novos casos e 17 óbitos por covid-19 na Bahia na semana de Carnaval, segundo dados do boletim epidemiológico da Sesab, Fernanda Grassi afirma que a vacina é a melhor garantia para enfrentar a doença.
“Nós não sabemos se haverá ou não aumento [de casos]. A possibilidade de realizar o Carnaval era porque o número de casos de novas infecções por coronavírus estava muito baixo, mas ainda existe a pandemia. O risco pode existir, sim. Mas, como estamos vacinados, na grande maioria, isso sem dúvidas alguma vai ter um impacto grande. Se houver um surto de coronavírus, nós temos a vacina e esperamos que os casos sejam mais leves”, enfatizou a infectologista.
Confira lista de músicas que deram nome a viroses de carnavais anteriores:
1. Rebolation, de Parangolé, em 2010, inspirou o nome ‘espirration’
2. Liga da Justiça, de Leva Nóiz, em 2011, inspirou a ‘gripetonita’
3. Circulou, da Banda Eva, em 2012
4. Ziguiriguidum, dos Filhos de Jorge, em 2013
5. Lepo Lepo, de Psirico, em 2014
6. Xenhenhem, de Psirico, em 2015
7. Paredão da Metralhadora, de A Vingadora, em 2016
8. Santinha, de Leo Santana, em 2017
9. Elas Gostam: A Popa da Bunda, de Psirico, em 2018
10. Abaixa Que é Tiro, de Parangolé, em 2019
*Com a orientação da subeditora Fernanda Varela