Nas últimas semanas, o termo quiet quitting ou demissão silenciosa vem chamando atenção nas redes sociais e alertando às empresas sobre mais um fenômeno global, com profundas ligações com a pandemia e que acompanha a chamada ‘grande demissão silenciosa’.
Ao contrário do que o nome sugere, não se trata de uma vontade de provocar uma demissão, mas de profissionais que, no ambiente de trabalho, não fazem nada além do estipulado em contrato, criando uma contracultura aos viciados em trabalho (worhholic), que vestem a camisa da empresa.
A febre entre os millenials (geração Y) ganhou força no TikTok, especialmente para aqueles que estão apáticos com as funções desempenhadas, mas precisam do salário e não pedem demissão.
O sócio-diretor e head de Design de Aprendizagem da Crescimentum, o coaching executivo Renato Curi afirma que a pandemia acelerou um movimento que já acontecia: o da busca por equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, procurando valorizar a qualidade de vida, tempo com a família e questões importantes para si mesmo. “Acredito que a rede social tem ajudado a expandir a discussão sobre essa questão”, diz.
Renato Curi acredita que o quiet quitting não seja um problema em si, mas um aviso que está faltando engajamento junto à cultura organizacional (Foto Divulgação) |
Curi acredita que não há problema em o colaborador fazer apenas o que lhe foi pedido e não “vestir a camisa”. Mas quando uma organização identifica esse comportamento está na hora de buscar o engajamento dos colaboradores.
Novo normal
“Buscar o engajamento significa criar proximidade para entender o momento de cada um. Sem isso, possivelmente as pessoas vão recorrer para alguma outra iniciativa fora do trabalho. A proximidade permite mapear as necessidades humanas no nível organizacional, significa cuidar da cultura organizacional e entender o que é importante e como o trabalho pode ser uma expressão desse propósito pessoal”, afirma.
A professora do curso de Administração da Faculdade Anhanguera de Teixeira de Freitas, Elisa Torres diz que a desistência silenciosa ou demissão silenciosa é o possível resultado de duas situações: empregadores que não sabem como reter talentos, e desconhecem ferramentas de gestão, bem como, empresas que ainda funcionam no formato de gestão vertical; versus colaboradores que estão preocupados em manter o equilíbrio entre sua vida pessoal e profissional, com foco nas suas necessidades individuais.
Elisa Torres chama atenção para a necessidade de reconhecer o valor dos colaboradores e revisitar a gestão das organizações (Foto: Acervo Pessoal) |
“Do movimento quiet quitting nas redes sociais, a princípio é percebido o desejo urgente de mudança na cultura empresarial que valoriza a relação com os workaholics – “viciados em trabalho”, reescrevendo as regras nos locais de trabalho”, reflete.
Para a educadora, o home-office durante a pandemia de Covid-19 fez com que colaboradores acumulassem funções e carga horária e as fronteiras entre descanso e trabalho foram desfeitas.
“Há décadas, a intensidade do trabalho vem crescendo e com metas cada vez mais ambiciosas, por esse motivo, a busca por um ambiente de trabalho saudável são urgentes e necessárias”, afirma. A professora de administração esse movimento sugere a necessidade urgente de reconhecimento do valor e a importância do colaborador: salário justo e compatível à função, oportunidades de crescimento, desafios na carreira, autonomia, além de educação e capacitação contínua.
Engajamento
Renato Curi lembra que a postura quiet quitting traz impactos positivos na vida do profissional, que são um maior equilíbrio no tempo dedicado para lazer, mais qualidade de vida e uma saudável saúde mental, partindo do pressuposto dos colaboradores que entregam o que é esperado deles.
“Agora como impactos negativos, a pessoa deixa de participar de grandes realizações, afinal, grandes realizações são feitas com um alto nível de engajamento, e talvez a curva de aprendizado dela seja menor também, já que não está envolvida completamente para o momento”, contrapõe.
O administrador destaca assim como na demissão silenciosa, no presenteísmo, o profissional também precisa de uma cultura organizacional que o proporciona engajamento. “O engajamento vai ser sempre a chave para manter o equilíbrio acontecendo”, defende Curi.
Elisa Torres pontua que nesse cenário, algumas atitudes emergenciais precisam ser tomadas e para tal, o conhecimento acadêmico em ferramentas de diagnóstico e intervenção empresarial são fundamentais. Para a professora, essa identificação é fundamental para que a demissão silenciosa não acabe contaminando outros colaboradores, por se sentirem prejudicados pela falta de produtividade do(s) colega(s).
“A continuidade da demissão silenciosa em uma organização sugere incapacidade gerencial e corporativa, e o conhecimento das práticas de gestão ofertadas por uma educação formal de qualidade será o diferencial para qualquer gestor”, garante.
Elisa lembra que, na vida pessoal e profissional, todos estão numa vitrine onde são observados, analisados e avaliados em tempo real. “Se você é conhecido por seus resultados de excelência, provavelmente, eles se tornarão referências sólidas do seu profissionalismo. Bem como, essas mesmas pessoas também serão sólidas referencias do contrário. Os impactos (positivos ou negativos) dependem única e exclusivamente das nossas escolhas”, pontua.
Raiz do problema
Quando o quiet quitting é motivado por desistência, Elisa sugere que o primeiro passo seja buscar entender os motivos que estão causando essa frustração e falta de estímulo. “Frustações, expectativas não alcançadas, não adequação à cultura organizacional são “efeitos” da falta de comunicação assertiva. Conversar, sugerir, expor as suas dificuldades e expectativas para o líder faz toda a diferença. Uma conversa franca e honesta pode levar a resoluções de forma mais simples”, orienta a professora.
A professora diz que, a partir das percepções obtidas, é possível verificar se o que a empresa oferece segue de acordo aos objetivos profissionais e pessoais. “Caso não seja, o posicionamento de solicitar a demissão/desligamento pode se fazer necessário”, complementa.
Com uma longa experiência em departamento pessoal, a psicóloga Carmen Rezende destaca que a demissão silenciosa pode prejudicar as perspectivas de carreira a longo prazo e que antes de qualquer coisa, é fundamental que o profissional avalie e entenda que estímulos não está tendo e quais gostaria de vivenciar.
Carmen Rezende sugere o diálogo como uma ferramenta de obter equilíbrio entre desejos e necessidades de organização e colaboradores (Foto: Acervo Pessoal) |
“O trabalhador corre o risco de passar uma falsa imagem de pouco produtivo, então, ao invés de partir para demissão, tente ter na empresa uma conversa verdadeira com o gestor para tentar obter uma resolução equilibrada”, sugere a psicóloga.
Diagnósticos
1. Analise a produtividade individual de cada colaborador, premiando/recompensando os melhores resultados. O diagnóstico pode usar ferramentas como a análise swot (avaliação 360 graus para identificar a raiz (ou raízes) do problema);
2. A partir dessa identificação, mapear e entender o que motiva(ou) essa “procrastinação programada” torna-se mais assertiva;
3. Promover ações reativas e preventivas como pesquisas de opinião sobre os métodos de trabalho e metas, bem como a promoção de encontros regulares e informais para resgatar a motivação dos colaboradores.