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Dois modos de governar (por Roberto Brant)

O tema dominante nas análises que se fazem sobre os primeiros meses do Governo Lula é a falta de uma maioria parlamentar consistente para sustentar os projetos do Executivo. Nessa linha de raciocínio, se o Governo ainda não se afirmou em sua plenitude a razão determinante é apenas a má articulação com o Congresso, que pode ser remediada com a distribuição de cargos na Administração e a liberação mais generosa de recursos das emendas parlamentares. Na minha opinião esta leitura do problema é superficial.

A desarticulação entre o Governo e o Parlamento nos últimos tempos no Brasil é apenas em parte o resultado das condutas do Presidente da República e de seu ministério. A causa essencial parece ser o próprio desenho das nossas instituições políticas, que foram evoluindo a partir da Constituição de 88 para um sistema que tende a paralisar as grandes ações de qualquer governo, a fragmentar o processo de decisão e a dispersar o uso dos recursos públicos. O último momento transformador na governação do país foi o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. Daí em diante os sucessivos governos foram perdendo potência e o alcance e a qualidade das políticas públicas foram se diluindo pouco a pouco, até chegar aos dias de hoje.

Inspirando-me em uma classificação do historiador americano Charles Maier, utilizada por ele em um outro contexto, há governos que atuam de acordo com um projeto e executam políticas ativas destinadas a transformar suas sociedades e energizar seus cidadãos. Um exemplo democrático deste tipo de governo transformador é o de Roosevelt nos Estados Unidos após a grande depressão.  Seu governo rompeu uma sagrada tradição de neutralidade e interviu na economia para proteger abertamente as empresas e as famílias, estabelecendo um novo paradigma, que salvou seu país e de certa forma a economia capitalista.

O contrário destes governos transformadores são aqueles que se dedicam às meras rotinas de governar, ao jogo das aparências e das palavras, escravos do presente imediato ou de um passado que já não existe. São governos sem ambição e que servem, mesmo sem pretender, os interesses constituídos e os privilégios que se sentem ameaçados com qualquer sinal de mudança. A força desses interesses é tão grande que chegam a influir na formação de instituições que favorecem a conservação e põem obstáculos à mudança, mesmo quando a competição democrática ocasionalmente faz aparecer um líder com propósitos de transformação.

Meu entendimento é que a Constituição de 88, com as modificações que foram introduzidas por novas legislações e, não em menor medida, por decisões do Poder Judiciário, criou um arcabouço institucional que limita excessivamente a autonomia do Poder Executivo e dá aos Partidos Políticos e ao Parlamento uma interferência nos atos de governo que deforma as políticas públicas, desorganiza o processo de decisão e desperdiça os recursos públicos.

Nunca me canso de afirmar que o sistema eleitoral brasileiro é feito para iludir os cidadãos e frustrar sua vontade. Nas eleições majoritárias, de Prefeito a Presidente da República, o eleitor sabe bastante bem quem está escolhendo. Quanto às eleições legislativas, ele não tem ideia do destino do seu voto. Como na realidade o exercício do Poder será compartilhado entre o Governante e os Deputados, o cidadão nunca terá a certeza de como o país será governado. Esta confusão tira clareza e transparência do processo político e, às vezes, como no Governo Bolsonaro e no Governo Lula esvaziam o Poder Executivo.

Bolsonaro falou muito e não realizou praticamente nada do que anunciava, a não ser certas decisões no campo simbólico. O novo Governo Lula, do mesmo modo, é um conjunto de discursos e algumas iniciativas no campo simbólico. Quase nada do que realmente interessa para o crescimento do país e para a diminuição da pobreza esteve ou está na pauta dos governos. Para alguns não deixa de ser um alívio um Presidente que não pode nada. Mas o Brasil precisa de Governo. De um Governo transformador.

Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso

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