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General ligado a Villas Bôas atuou em compra de software espião pelo Exército, diz vendedor

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O general da reserva Eduardo Villas Bôas 13 de janeiro de 2024 | 17:45

Depoimento dado à Polícia Federal afirma que um amigo e colega de turma do general da reserva Eduardo Villas Bôas atuou como intermediário da empresa Verint Systems para negociar com o Exército, durante a gestão do próprio ex-comandante da Força, a venda de sistemas de inteligência.

Entre eles, o software First Mile, cujo uso pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) é investigado.

O general Luiz Roberto Peret foi contratado pela Verint Systems por meio de uma empresa de consultoria criada pelo próprio militar em 2010, três anos após pedir para ir para a reserva do Exército.

Além da empresa, ele atua como um dos conselheiros fundadores do Instituto General Villas Boâs, que comandava o Exército quando foi efetuada a compra do First Mile e outros softwares com dinheiro da intervenção federal no Rio de Janeiro.

A atuação de Peret foi relatada por Caio Santos Cruz, filho do general Santos Cruz, em depoimento à PF. O documento foi obtido pela reportagem.

Caio Santos Cruz, que também atuava em favor da Verint, disse à PF que o papel de Peret era manter contatos de alto nível com os clientes da empresa.

“[O general] foi contratado pela Suntech (Verint) para auxiliar nas negociações técnicas e comerciais de alto nível”, disse Caio Santos Cruz. “[Ele] atuava nas tratativas com altos escalões, destacando que se trata de pessoa honesta”, prosseguiu o investigado, segundo o termo do depoimento colhido pela Polícia Federal.

Caio Santos Cruz foi alvo de buscas em outubro durante a Operação Última Milha, da PF, que investiga o uso indevido da ferramenta First Mile pela Abinpara monitorar opositores do governo Bolsonaro, juízes, políticos e jornalistas entre 2019 e 2021, durante a gestão do hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).

O contrato na gestão Villas Bôas com a Verint intermediado por Peret foi fechado em outubro de 2018, no valor de US$ 10,8 milhões (R$ 52,7 milhões na cotação atual). O ex-comandante autorizou a contratação sem licitação sob o argumento de que a empresa israelense já fornecia sistemas de inteligência para o Exército e que o novo contrato iria ampliar o número de tecnologias e atualizar os softwares já usados.

O dinheiro usado para a compra dos sistemas estava no orçamento de R$ 1,2 bilhão destinado pelo governo Michel Temer (MDB) para a intervenção federal no Rio de Janeiro. O recurso deveria ser gasto com a operação e o reequipamento das forças de segurança do estado.

A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu, em parecer, que “como o upgrade foi realizado com recursos destinados à segurança pública do Rio de Janeiro”, o caso pode configurar “desvio de finalidade […], pois teria sido contratado o desenvolvimento de sistema para a União, que, a seu critério, poderá ou não compartilhar as informações com o Rio de Janeiro”.

O modelo de atuação de Peret, com empresas ligadas a oficiais da reserva atuando em contratações do Exército, repete o que está na mira da PF do Rio de Janeiro no caso dos coletes balísticos e de blindados.

Luiz Roberto Peret é general reformado do Exército. Ele se formou na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 1973, mesma turma de Villas Bôas.

Ele decidiu ir para a reserva em 2007 após voltar de cargo na aditância do Exército brasileiro nos Estados Unidos. Na época, o comando da Força decidiu trocá-lo de função sem avisá-lo —fato que, segundo Peret, motivou seu pedido para deixar a ativa como general de brigada (duas estrelas).

Fora do Exército, Peret se uniu a outros militares da reserva para criar o Instituto General Villas Bôas. Também ocupou cargos em associações, como o Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), grupo de reservistas que fomentou atos contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no processo de impeachment.

Sua empresa, a Peret Consultoria, diz ter faturamento de até R$ 240 mil. Um de seus sócios é o coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, citado na CPI da Covid por intermediar um encontro entre o ex-secretário do Ministério da Saúde Élcio Franco com representantes da Davati.

Os intermediários da empresa, como o policial militar Luiz Paulo Dominghetti, alegavam ter 400 milhões de doses de vacina contra a Covid para vender ao governo federal. Na verdade, a Davati não possuía nenhuma dose para comercialização.

Procurado pela reportagem, o general Peret disse que não iria se manifestar. O general Villas Bôas também foi procurado por meio de seu instituto, mas não respondeu.

O software vendido pela Verint Systems, segundo a PF, foi utilizado pela Abin para invadir a rede de telefonia brasileira e rastrear a localização do celular de qualquer pessoa a partir dos dados enviados para torres de telecomunicação —driblando, na prática, a necessidade de autorização judicial.

Em depoimento após a operação que prendeu e afastou servidores da Abin, Caio Santos Cruz disse que a empresa possuía diversos clientes no estado do Rio de Janeiro, especialmente forças de segurança.

“Perguntado se houve upgrade [melhora] do sistema First Mile durante a intervenção do Rio de Janeiro, respondeu que houve uma recompra do produto First Mile pelo Exército brasileiro, não pela Abin, que não houve upgrade do sistema, apenas recompra do pacote”, diz trecho do depoimento obtido pela reportagem.

“Que o produto foi adquirido pelo Exército brasileiro a fim de atender as necessidades de segurança dos grandes eventos, especialmente Olimpíadas. Que o Exército brasileiro aproveitou para renovar o produto por conta do Plano Rio. Que participou da recompra do produto para o Exército brasileiro, bem como do fornecimento do produto para a Abin”.

O Exército se negou a dar explicações, em outubro, sobre qual uso faz do sistema investigado pela PF. A instituição recorreu à LAI (Lei de Acesso à Informação), aprovada em 2011 para regulamentar o direito constitucional de acesso a informações públicas.

Diante das suspeitas da PF envolvendo os celulares que foram monitorados pela Abin, Caio Santos Cruz respondeu que o sistema é auditável e que os dados ficam armazenados pela Cognyte (antiga Verint) “em um servidor remoto, possivelmente da Amazon”.

Caio Santos Cruz afirmou que a ferramenta também foi vendida a outros órgãos públicos, e citou o antigo Departamento Penitenciário Nacional —atual Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais)—, a PRF (Polícia Rodoviária Federal), a Aeronáutica e a Marinha.

A Senappen e a PRF negam o uso do First Mile. A Aeronáutica e a Marinha não responderam objetivamente e disseram que trabalham em conformidade com a Constituição.

A PRF afirmou em nota que não adquiriu a ferramenta. A Senappen acrescentou que não comprou nem faz uso em suas atividades. Assim como o Exército, a Marinha recorreu às possibilidades de sigilo da LAI e disse que não se pronuncia sobre inquéritos em segredo de Justiça

“A MB [Marinha do Brasil] reitera que desenvolve a referida atividade em conformidade com a Constituição Federal e com as normas constantes no ordenamento jurídico nacional. No que tange às declarações do sr. Caio Cesar dos Santos Cruz, a MB não se pronuncia sobre inquéritos em andamento sob segredo de justiça”, declarou em nota.

A Aeronáutica também se negou a comentar o assunto e ressaltou “que todas as atividades são desenvolvidas no estrito cumprimento de sua missão institucional e em conformidade com a Constituição Federal”.

Thaísa Oliveira/Fabio Serapião/Cézar Feitoza/Folhapress

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