Só precisou de um “boa noite, Salvador” para o cantor Emicida derreter os corações dos foliões baianos (e também dos turistas de ocasião), que levaram poucos segundos para relevar o atraso de mais de uma hora da apresentação do rapper, no Circuito Batatinha.
O cara estava se sentindo em casa. O Pelourinho estava lotado (como em poucas oportunidades) e qualquer tentativa de sair do lugar era um perigo. Quem queria ir ao banheiro, melhor esperar. A estreia de Emicida no Carnaval de Salvador foi épica.
Após dois anos sem festa, por conta da pandemia de covid-19, o rapper paulista levou alento ao público com trechos da música de Belchior, acoplada na sua canção ‘Amarelo’, que fala de forçar para superar grandes desafios. “Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”.
Nessa hora, houve uma espécie de grito coletivo, desabafos de quem sofreu dias apocalípticos nos primeiros anos da crise sanitária. Sem Carnaval, sem parentes, sem esperança. Contudo, se ano passado eu morri, este ano não morremos, muito menos o Carnaval.
Os gritos de sobreviventes transformou a folia num desabafo, um clamor de dias melhores, e muitos foram às lágrimas. “Perdi meu pai”, resumiu a foliã Cláudia, enquanto abraçava a companheira.
A conexão entre Emicida e Salvador é evidente. Todos aguardavam que ele abrisse a noite com ‘Baiana’, mas ele fez diferente. Cantou Gilberto Gil: “Chiclete eu misturo com banana, e o meu samba vai ficar assim…” O hino de Jackson do Pandeiro ‘absorvido’ pela Tropicália foi mais um a testar os limites da física. Quando entoou “baiana cê me bagunçou”, foi a bagunça mais organizada possível, já que não dava pra se mexer direito. Nem a pipoca do Kannário deve ter tanta gente ocupando o mínimo de espaço possível.
O rapper ainda lançou ‘Madagascar Olodum’, um clássico cantado justamente no território que é a casa do bloco afro, também citado em ‘Baiana’.
Foi uma compensação e tanto para quem aguentou tanto aperto, com alguns ensaios de vaia e gritos de “começa, começa”. O soteropolitano pode até amar você, mas não deixe um folião ansioso.
Baiana
Antes da catarse com Emicida, a carioca mais baiana do mundo pintou para fazer um show tão empolgante quanto. A apresentação de Baby do Brasil, voz feminina dos Novos Baianos, também pode entrar para a história da folia soteropolitana. Em pleno Largo do Pelô, Baby mostrou sua euforia característica. Passou pelos clássicos do Carnaval, errou letras das músicas do saudoso Moraes Moreira, reclamou da falta de cultura, mostrou a importância de Vivaldi no mundo musical e terminou com um “Glória a Deus” que poderia ser facilmente confundido com um Laroyê.
“Vivaldi é um escândalo”, proferia Baby, misturando música clássica, frevo e guitarra baiana. Carnaval é isso, e o público, mesmo ciente, não sabia se dançava, ação quase impossível pelo crescente aumento de público.
A apresentação terminou com um solo de guitarra dos tempos dos Novos Baianos, finalizado com um “Glória a Deus, Aleluia” que abençoou o início dos trabalhos no Batatinha. Ninguém arredou o pé, até porque não podia.
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