Assisti à sabatina pitorescamente conjunta de Paulo Gonet e Flávio Dino. Tudo muito previsível tanto no resultado quanto nos desempenhos: o agora PGR esgrimindo tecnicalidades para contornar as perguntas sobre o inquérito do fim do mundo e o agora ministro do STF pregando a harmonia entre os poderes e esforçando-se para conter a sua efusividade natural.
A atuação de ambos nos respectivos cargos será também sem surpresas, como foi a sabatina, obedecendo ao princípio de que as mudanças no Brasil são feitas para que tudo continue como sempre foi — ou como passou a ser recentemente, desde que a PGR aceitou os desígnios de um tribunal cujos ministros atuam politicamente.
Está longe de ser segredo que o governo Lula espera ter na PGR e no STF parceiros ainda mais próximos no enfrentamento a um Legislativo tão indômito no fisiologismo quanto hostil na ideologia. Paulo Gonet e Flávio Dino certamente não farão contraste com o estreitamento dessa colaboração.
No caso do novo PGR, porque as suas convicções devem sucumbir aos compromissos com quem o apadrinhou, se é que ambos não serão sempre coincidentes. Paulo Gonet foi sócio de Gilmar Mendes na escola de direito fundada pelos dois amigos e deve ao ministro do STF a indicação ao cargo por Lula (o seu outro credor é Alexandre de Moraes). Espancador violento da atuação da PGR na Lava Jato e em outros casos de grande corrupção, Gilmar Mendes terá em Paulo Gonet uma alma gêmea na substância, mas gentil na forma.
O então candidato a PGR demonstrou a sua confiabilidade ao encontrar-se com Lula, em campanha pela indicação. Paulo Gonet garantiu ao presidente que não apresentaria “denúncias inconsistentes e aventureiras”, embora não fosse ser “leniente com práticas criminosas”. O subtexto da declaração institucional é melodia de meditação e relaxamento aos ouvidos de Gilmar Mendes e, claro, do próprio Lula.
Quanto a novo ministro do STF, ele não fará contraste com o Palácio do Planalto porque as as suas convicções e os seus compromissos com Lula já o eram e serão repetidamente concordantes — como o de ser a favor da nomeação de políticos para cargos de direção em empresas estatais, mudança na lei que será julgada pelo tribunal. Mais: se for conveniente do ponto de vista político absolver Jair Bolsonaro em processos que tramitam na corte, Flávio Dino o fará. Como já dito por mim, e quem sabe pela torcida do Corinthians, Flávio Dino será bem mais do que um voto a favor dos interesses de Lula. Será a voz do petista dentro do STF.
Nada do que foi dito é julgamento de caráteres individuais. O caráter é nacional. O Brasil é o que é, o sistema político-jurídico nativo é o que é, eleitos e eleitores são o que são. Bobeira é não viver a realidade, como cantava Cássia Eller. Conformismo? Não. Racionalização de gasto de energia, digamos assim.
PS: Sergio Moro talvez tenha sido caloroso demais ao cumprimentar o sabatinado, mas não será por ter sido muito cordial com Flávio Dino — como ex-colega de magistratura, inclusive — que ele terá algum apoio do novo ministro do STF para evitar uma eventual cassação. Inexiste a hipótese de Flávio Dino beneficiar o inimigo figadal de Lula.
PS2: efusividade contida, Flávio Dino fica até simpático. Esperemos que continue se esforçando nesse sentido. E foi lógica a fala dele sobre leis aprovadas pela maioria do parlamento não poderem ser derrubadas por decisões monocráticas de ministros do STF. A colaboração com o Planalto não precisa disso com a atual formação do tribunal.
PS3: faltou perguntar ao ex-governador Flávio Dino por que o seu Maranhão é o estado com o maior número de pessoas extremamente pobres. Seria curioso ouvir a resposta.