Dois dos autores mais aguardados da 12ª edição da Feira Literária Internacional de Cachoeira (Flica), o baiano Itamar Vieira Júnior, vencedor do prêmio Jabuti em 2020, e o angolano radicado em Berlim, Kalaf Epalanga, falaram sobre como a interação e a interpretação do leitor influenciam em suas escritas. Os dois escritores participaram da roda de conversas “Linguagens, corpos, mistérios e chão”, na tarde deste sábado (19), e lotaram a Tenda Paraguaçu, onde foi realizado o encontro.
Itamar explicou que o que ocorre na estrutura narrativa de “Salvar o Fogo”, seu mais novo livro, é algo que ele já tinha experimentado no seu processo criativo. “Acho que nenhum narrador é completamente confiável nem quem escreve. É tão interessante isso porque muito dessa história, ela vai ganhar uma leitura e uma integração dos leitores E muitas vezes o que os leitores descobrem sobre essa história passa a figurar também como mutável. E aí eu aprendi que nós que escrevemos nem sempre temos um domínio absoluto da história. E se eu não tenho o domínio, de alguma maneira, eu vou traçar essa voz para que as personagens respondam”.
Para Itamar, a narrativa em terceira pessoa tem uma outra perspectiva, que considera mais distanciada e, assim, possibilita uma maior diversidade de interpretações e uma visão mais ampla do enredo. “Eu acho que essa abordagem, essa estrutura permite ao leitor ter muitos pontos de vista, acho que a mesma coisa que o Kalaf disse, ter alguns pontos de vista e ter uma visão mais abrangente de toda a história. Tem muitas pessoas que me perguntam no que eu inspirei para escrever “Torto Arado” e “Salvar o Fogo” e eu respondo: li muita literatura ao longo dos anos e continuo sendo leitor de literatura, então aprendi um pouco sobre estrutura narrativa, sobre projeto narrativo”.
Para escrever Torto Arado, por exemplo, Itamar encontrou a maneira de contar a história do livro quando entendeu na oralidade um projeto estético, já que foi por meio da sua interação com agricultores e agricultoras que encontrou inspiração para escrever seu premiado livro. “Então, como descobri isso? Eu escutava, fazia entrevista, e pensava como era bonita a maneira como eles contam e como a história é brilhante. Então, precisava reproduzir a maneira de contar a história. E eu, como escritor, preciso fazer essa mediação para um público mais amplo. Ali eu vi a musicalidade, oralidade, algo esteticamente potente, poderoso para contar essa história em particular”.
Durante a sua participação na Flica, o escritor angolano Kalaf Epalanga agradeceu à coordenação do evento pelo convite para estar na festa literária e falou sobre sua identificação com a música brasileira e do quanto a literatura produzida no Brasil, usando como exemplos escritores como Jorge Amado e Guimarães Rosa, está presente na literatura angolana, inspirando os seus escritores e suas formas de ver o mundo.
“A minha admiração pela música brasileira quase não consigo identificar um antes e um depois. Acho que ela está na minha formação, na minha gênese. Cresci ouvindo a música que toca no rádio de toda a gente. Então, a música do Gilberto Gil, do Dorival Caymmi era a música que estava na casa. Ou seja, o Brasil tem uma relevância e uma amplitude dentro do espaço da língua portuguesa, que é quase impossível a gente não ficar seduzido por ela, não ficar seduzido pelo Brasil”.