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Música ‘Cálice’, de Gil e Chico, enfureceu a ditadura militar há 50 anos

Entre os dias 10 e 13 de maio de 1973, a gravadora Phonogram (atual Universal), dirigida pelo lendário André Midani, promoveu um festival de música no Centro de Convenções do Anhembi em São Paulo reunindo seu elenco estelar. Todos os grandes nomes da Música Popular Brasileira (MPB) faziam parte do casting da gravadora, exceto Roberto Carlos e Milton Nascimento. O país vivia ainda a ditadura militar e uma censura draconiana.

O festival, como se comentou na época, foi um evento de marketing da gravadora, que pretendia promover o catálogo de seus contratados. Até ai tudo bem. O elenco reuniu nomes como Caetano Veloso, Gal costa, Jorge Bem Elis Regina, Raul Seixas, Fagner, Ivan Lins, Erasmo Carlos, Rita Lee, Maria Bethânia, Nara Leão, MPB4, Toquinho e Vinicius, Ronnie Von, Wilson Simonal, Jards Macalé, Luiz Melodia, Hermetho Paschoal, Sérgio Sampaio, Quinteto Violado e Wanderlea.

Essas presenças resultaram num disco que teve duetos como Gil e Jorge Bem e inusitados como o de Caetano Veloso com Odair José cantando Eu Vou tirar você desse lugar. Um acinte para os intelectuais que não perdoaram o baiano “por se misturar com um cantor brega”. Mas, na época, Caetano nem deu bolas.

Tudo estava indo muito bem nas apresentações, até que chegou a vez de Gilberto Gil e Chico Buarque tentarem cantar a música Cálice que eles tinham composto e foi censurada. Os dois resolveram desafiar o veto e mostrar ao público. Mas aos primeiros acordes da canção os censores ordenaram que os microfones fossem desligados. Eles tentaram prosseguir, mas não teve jeito.

Foto: Reprodução

A música Cálice só foi lançada em 1978. Devido ao seu conteúdo de denúncia e crítica social, foi censurada pela ditadura, sendo liberada cinco anos depois. Chico gravou a canção com Milton Nascimento no lugar de Gil (que tinha mudado de gravadora) e decidiu incluir no seu álbum homônimo.

Traumatizado com a violência da censura, Gil que tinha voltado do exílio Londrino um ano antes, evitou comentar sobre a música durante muitos anos. Ele falou certa vez que se sentia incomodado e ainda atordoado com tudo que tinha acontecido. Gil e Chico vieram a cantar a música em 2018, após 45 anos.

Tempos depois, em conversa com esse jornalista que vos escreve, Gil falou sobre a origem da música:

“Como era sexta-feira da Paixão, a ideia do calvário e do cálice de Cristo me seduziu, e eu compus o refrão incorporando o pedido de Jesus no momento da agonia.Em seguida escrevi a primeira estrofe, que eu comecei me lembrando de uma bebida amarga chamada Fernet, italiana, de que o Chico gostava e que ele me oferecia sempre que eu ia a sua casa.”

Assim, no dia seguinte, sábado, Chico ofereceu a Fernet e Gil mostrou o que já tinha feito. “Quando, cantando o refrão, cheguei ao ‘cálice’, no ato ele percebeu a ambiguidade que a palavra adquiria, e a associou com ‘cale-se’, introduzindo na canção o sentido da censura”, comentou o compositor baiano. “Depois, como eu tinha trazido só o refrão melodizado, trabalhamos na musicalização da estrofe a partir de ideias que ele apresentou. E combinamos um novo encontro.”

“Dois ou três dias depois nos revimos e definimos a sequência. Eu achei que devíamos intercalar nossas estrofes, porque elas não apresentavam um encadeamento linear entre si. Ele concordou, e a ordem ficou esta: a primeira, minha, a segunda, dele; a terceira, minha, e a última, dele. Na terceira, o quarto verso e os dois finais foram influenciados pela ideia do Chico de usar o tema do silêncio.” Em tempo: Gil fez mais uma estrofe e Chico, outras duas. Quatro, todas em oito decassílabos, lembra Gil.

O evento foi documentado no LP em três volumes Phono 73 O canto de um povo reeditado em CD duplo em 1997. Em  2005  foi lançada a caixa Phono 73, com dois CDs e um DVD, este montado a partir de imagens até então inéditas registradas pelo cineasta Guga de Oliveira em 35mm.

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