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Perfis que expõem idosos com demência não são bonitos nem têm graça alguma

Há uns dias, visitei um amigo querido que cuida, muito amorosamente, da mãe e do pai idosos. Bem velhinhos mesmo. Já perto dos cem. A mãe está com a cognição preservada. O pai, um senhor bonito e bem-humorado, vive com o Mal de Alzheimer há muitos anos. Já foi tratado de várias formas, mas, agora, a doença está em estágio avançado e isso, evidentemente, desafia a família com momentos tristes e difíceis. Eu sei. Como também sei que, no meio disso, há situações divertidas, leves e muito engraçadas.

É uma “montanha-russa”, com o perdão do clichê. Naquela noite, por exemplo, o pai do meu amigo estava radiante. Apesar das repetições, do esquecimento e de algumas outras questões, eu e ele cantamos juntos, conversamos e rimos bastante, mesmo que ele não tenha registro de já ter sido apresentado a mim, antes. Nenhuma novidade, em nada. Felizmente, venho de uma família de pessoas longevas e tenho o privilégio de sempre ter convivido, intimamente, com pessoas velhas.

Como sabemos, não é muito raro que idosos, eventualmente, passem por algum tipo de desordem cognitiva. Transitória ou definitiva, a depender do caso. Daí, acaba que a gente aprende várias coisas com essa convivência. A ir nas ondas, a cuidar com bom humor, a contornar ideias fixas, a dar os limites necessários e, sobretudo, a não desperdiçar gargalhadas. Nem nossas nem deles. A gente aprende, também, pelo amor, que a brincadeira é rir COM eles e não deles. Só “juntos” que vale.

(Assim como foi com o pai do meu amigo, a quem agradeço pela confiança depositada.)

Primeiro, porque a confusão que vem dos sintomas não tem graça. Divertido é quando todo mundo embarca na mesma viagem. Que, muitas vezes, é uma fantasia, mas onde, gente que se conhece, encontra verdades. Seja na forma ou no conteúdo, nesse tipo de interação humorada, reconhecemos o outro como conhecíamos e somos por ele reconhecidos. Tem uma magia nisso. Percebe, então, que essa “graça” só é legítima dentro de um círculo seguro de intimidade? 

Você ainda sabe o significado da palavra “intimidade”? Relação muito próxima, familiaridade. Agora, me diga se não é apenas nesse ambiente afetuoso que devem estar pessoas que passam por esse momento delicado. Isso pra mim era o óbvio, até que conheci uma grande quantidade de perfis que têm, como “protagonistas”, pessoas idosas em níveis avançados de demência. Todas em estado de grande confusão mental. Todas conduzidas, por algum familiar mais jovem, para que digam e façam coisas “engraçadas”. Não, necessariamente, “engraçadas” para o idoso. Mas, sempre, para certo tipo de público, claro.

Tá bonito isso? Eu não acho. Piora quando dizem que aquela exposição é “pra mostrar como lidar com alguém que tem Alzheimer”. Essa é a desculpa clássica, facilmente desmentida em quase todos os vídeos publicados. Ou, então, preciso que alguém me explique como uma senhora esquecida de que o marido morreu (ou um senhor esperando a chegada dos próprios pais mortos ou outro idoso se negando a tomar banho) pode ser algo de interesse coletivo. Não, não pode.

Quer dizer, atualmente, até pode. Na confusão da “geração de conteúdo” vale qualquer negócio. Então, idosos confusos viraram comediantes involuntários. Estão compulsoriamente “empregados” na setor do “entretenimento” mais degradante. Daquele tipo mais perverso, o que gera muitas “curtidas”, muito engajamento e, por fim, dinheiro. Chegamos ao ponto, né? É. Enfim, construimos a estrada até o momento em que “vender a mãe (ou o pai)” deixou de ser apenas metáfora do impensável. 

“Mas é pra esconder?”, desonestos perguntarão, sabendo que estão errados. Não, não é pra esconder ninguém nem nada. Só que, para o exercício da saudável sociabilidade, para informar sobre cuidados com pessoas em demência, para combater preconceitos, para incluir, para demonstrar publicamente o amor e todas as outras coisas importantes do processo, não é preciso expor ninguém. E expor é tudo que fazem, ainda que, alguma vezes, com frases de superação e músicas fofinhas em background.

Qual é o ponto, então? Que limites não devem ser ultrapassados? Facílimo descobrir, quer ver? Basta, por um momento, fazer aquele exercício que, enquanto esteve presente, o idoso que está sob os seus cuidados, provavelmente, fez, quando cuidava de você: coloque-se no lugar dele. Vá até onde você gostaria, sinceramente, que fossem quando for a sua vez. Lembrando, sempre, que essa não é uma possibilidade distante. Que, a não ser que aconteça uma tragédia, você também vai envelhecer. Taí uma coisa boa de – pro bem e pro mal – nunca esquecer. Né? Eu acho.

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